Homem chora — e, mesmo assim, pode ser capitão do Brasil na Copa
Antes da estreia na Copa da Rússia, no último domingo, o Brasil do professor Tite acumulava 17 vitórias, três empates e só uma derrota, com 47 gols marcados contra cinco sofridos. Era o prinicpal favorito de todos, brasileiros ou não, a levantar a taça do Mundial, acompanhado por Espanha, França e Alemanha, ao lado ou à frente de um ou de outro, dependendo do analista. Mas o Brasil, por coerência, estava lá, soberano, no primeiro pelotão. Bastou um empate contra uma equipe bem preparada como a Suíça (esta versão sem o ferrolho de outrora, mas ainda aplicada defensivamente) e toda a campanha vitoriosa ruiu junto com a bipolaridade do nosso povo.
Claro que os tropeços de Alemanha e Argentina e a dificuldade encontrada por outros campeões mundiais neste começo de torneio ajudam a atirar lenha na fogueira do pessimismo alheio. E, de fato, existem motivos para se frustrar com o início de jornada do time de Neymar Jr., mas “alto lá!”, alerta o grande Afonsinho, meu padrinho querido e irmão de Gabriel Lima, colunista deste Futeboteco.
Daqui a duas horas, diante da Costa Rica, em São Petersburgo, o Brasil precisará ter aprendido com as falhas apresentadas na primeira partida: embora, no geral, a defesa tenha se mostrado confiável, não poderá repetir erros cruciais como no gol que sofreu dos suíços — tenha sido causado pela omissão do goleiro Alisson, que não deixou sua meta para atacar a bola, ou pela falta de comunicação entre os zagueiros Thiago Silva e Miranda –, apesar da evidente falta cometida pelo ponta Zuber antes de cabecear para o fundo das redes. Acredito, também, que faltou aos brasileiros serem mais acintosos na reclamação de lances capitais, de forma, lógico, que não resultasse em cartões: além do empurrão em Miranda no gol do adversário, o pênalti em Gabriel Jesus no segundo tempo.
Com exceção ao belíssimo gol de Philippe Coutinho, o setor ofensivo foi ineficaz. A equipe teve controle do embate em raros momentos e, quando sofreu o empate, não soube reagir. Pelo contrário, desorganizou-se. E, agora, terá o inexperiente Fágner na lateral-direita, no lugar de Danilo, com lesão no quadril, e a possibilidade de ser assim até o fim da competição.
Não acredito que o reserva irá comprometer. Inclusive, em relação às características de Daniel Alves, dono original da posição que não pôde ir à Copa por uma contusão no joelho direito, o jogador do Corinthians tem vantagem sobre o do Manchester City. No entanto, se fosse para suspeitar do preparo emocional de alguém, apostaria naquele com menos bagagem na seleção (uma mão é suficiente para contar o número de jogos vestindo a amarelinha) e que não atua em uma partida oficial desde o dia 29 de abril.
Mas o assunto que domina as pautas da imprensa e da torcida é a suposta fragilidade emocional de Thiago Silva, que será o capitão do Brasil hoje, contra a Costa Rica. E aí você passa a entender o título deste texto. Começo por dizer que, a julgar pelo rodízio de capitães implantando por Tite, sob a alegação de que “todos têm responsabilidades”, me parece que o técnico não dá muita importância para o uso da braçadeira. Ou ele não enxerga um líder máximo no elenco para usá-la em todas as partidas. Ou seja: o que há de relevante nessa informação deveria ser a homenagem que Tite faz a alguém muito merecedor dela e que, no campo, recuperou sua condição de titular.
Mas não. Graças à pena de morte decretada pelo Supremo Tribunal do Facebook (STF) em função do choro na Copa do Mundo passada, o contexto é outro: “Ah, mas se o Brasil perder ou empatar com a Costa Rica, vão lembrar da escolha do capitão”, ponderam alguns com dose de razão. Thiago Silva é vítima de uma enorme injustiça. E nós, jornalistas, somos muito culpados neste caso e em outros (os outros ficam para outro post). Comentários maldosos como “preparem os lenços”, “zagueiro chorão” e variantes são, infelizmente, frequentes na imprensa esportiva brasileira, afetada, em grande parte, por uma mescla abominável entre os jornalistas engraçadinhos, o conservadorismo rasteiro, o pensamento do século passado e a masculinidade tóxica.
Ao longo da sua vida, quantas vezes você já ouviu a lenda de que “homem não chora”? No futebol, de alguma forma, você certamente já se deparou com a frase “zagueiro não pode ser bonzinho, tem que ter cara de mal”. É a linha “macho alfa” de ser, chancelada por parte da imprensa. É surfando nessa onda rasa como um pires e repleta de ignorância e preconceitos que, em episódios mais extremos, formamos imbecis iguais aos brasileiros que se aproveitaram do seu idioma e assediaram mulheres russas durante a Copa (como contraponto, lembro da necessidade de esses imbecis gozarem do direito legal de se defenderem e serem julgados pela Justiça, e não pelo tribunal do Facebook, embora, lógico, não haja como deixar de critica-los nas redes).
Mas voltando ao Thiago Silva, não me lembro de um caso tão gritante de bode expiatório como o dele na Copa de 2014. A começar pelo mais esdrúxulo: é constantamente tratado como um dos principais responsáveis pelos 7 a 1 contra a Alemanha, no Mineirão, mesmo sem ter participado da maior tragédia do futebol brasileiro (ele estava suspenso por causa do segundo cartão amarelo e quem atuou em seu lugar foi Dante).
Tudo porque preferiu não bater um pênalti e caiu nas lágrimas numa partida nervosíssima empatada em 1 a 1 com o Chile. Oitavas de final de Copa do Mundo. No Brasil! Pressão descomunal por isso. Decisão nos pênaltis. Chance enorme de eliminação precoce, com direito a bola explodindo no travessão brasileiro aos 14 minutos do segundo tempo da prorrogação, após o atacante Pinilla, que até tatuou o lance nas costas, se desvencilhar justamente de…. Thiago Silva.
É evidente que o descontrole emocional não é a postura que se espera de um líder, mas, antes de qualquer coisa, estamos falando de um ser humano. Vamos inverter o jogo: quantas vezes você, leitor, tremeu num momento importante da sua vida, seja profissional ou pessoal? Algumas pelo menos, né? E, por isso, concluiu-se que você estava fadado ao fracasso? Não merecia uma segunda, terceira, quarta chances? Quantas fosse preciso, certo? Pois é, Tite resolver dar essa chance ao zagueiro…
Thiago Silva foi outras trocentas vezes capitão da seleção, levantou o troféu da Copa das Confederações em 2013, e nem por isso teve outros apagões emocionais. Teve um ou outro deslize técnico como todo profissional de alto nível tem, mas foi arremessado aos leões pelo então treinador Dunga após falhar na eliminação do Brasil na Copa América de 2015, diante dos anfitriões paraguaios. Em 2014, vários psicólogos ressaltaram a pressão que o time brasileiro estava sofrendo por disputar o Mundial em casa após 64 anos (e “ser obrigado” a conquistá-lo dessa forma pela primeira vez) .
Os especialistas ainda entendiam que, se apenas um jogador tivesse se emocionado no duelo contra o Chile, isso poderia ser atribuído a uma “característica de personalidade”. Mas, como foram vários atletas que choraram (além de Thiago, o também zagueiro David Luiz e o goleiro Júlio César), a reação poderia ser considerada “uma circunstância coletiva”. Uma das avaliações, na época, foi do doutor em psicologia do desenvolvimento Aurélio Mello à Agência Brasil.
Há tempos, Thiago Silva está entre os melhores zagueiros do planeta. É capitão do PSG, um dos mais qualificados esquadrões atuais e que, antes da chegada do brasileiro, costumava entregar a faixa somente a franceses, como Jallet e Sakho. Antes disso, foi capitão no Milan, honraria que, até então, era destinada apenas aos atletas com mais tempo de casa, normalmente “entidades” italianas do clube, como Maldini e Baresi.
O capitão Thiago Silva serve para toda a Europa, onde é reverenciado, inclusive por Sergio Ramos, talvez o melhor do mundo na posição atualmente.
O brasileiro só não serve para o seu País. E por causa de um jogo. Por causa de um choro. Apenas um.
Cabelo de Neymar
O outro absurdo que pautou as discussões sobre o Brasil após o empate com a Suíça é o novo cabelo de Neymar, que já se tornou velho depois de o camisa 10 ceder à pressão da patrulha e cortar as madeixas loiras. Como o resultado positivo não aconteceu na estreia na Copa, o visual do craque entra na soma dos problemas e torcida e imprensa confundem público com privado, como de costume. Mas já entrei em polêmicas suficientes por hoje. Essa resolvo com o ótimo texto do jornalista Leonardo Miranda no GloboEsporte.com. Leia AQUI.
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Em tempo: Dias após o jogo contra a Costa Rica, que terminou com vitória EMOCIONANTE do Brasil e atuação segura do capitão Thiago Silva, Tite resgatou seu próprio choro na estreia na seleção, diante do Equador, pelas Eliminatórias, para defender as lágrimas de Neymar (não acredito que tenham sido de crocodilo) e de outros atletas. O treinador, inclusive, ressaltou algo que deveria ser óbvio: além da emotividade ser uma condição intrínseca do ser humano, é ainda mais marcante nos povos latinos. Vale lembrar, e faltou citar no texto acima, que são poucos os jogadores brasileiros que se orgulham e gostam de defender o Brasil tanto quanto Thiago Silva, que tinha como principal meta voltar a vestir a amarelinha para ter a última chance de ganhar uma Copa do Mundo. Mas ele foi perseguido justamente no país em que tanto se fala em falta de amor à camisa da seleção…