A seleção que não é nossa
Contestar o técnico Tite se tornou motivo de guerra nos últimos dois dias. Claro, afinal ele é o melhor e mais preparado treinador brasileiro para estar onde está. Com seus métodos meritocráticos e sua tática de futebol dinâmico e arrojado, rapidamente concertou o desastre deixado por Felipão e Dunga, além de colocar panos quentes na ferida, que segue aberta, dos 7 a 1. Grande gestor de pessoas, equilibrou o emocional de jogadores como Neymar, deu confiança ao “fenômeno” Gabriel Jesus e protagonismo ao brilhante Philippe Coutinho. Isso, sem contar, no ressurgimento de Paulinho, que foi do futebol chinês ao Barcelona. O grupo está em suas mãos. A chance de título, também.
Porém, todas essas qualidades não o fazem, ao mesmo tempo, “o Salvador”, como alguns, inclusive da imprensa, o tratam. Há uma turma que diz amém a todas as suas escolhas e justificativas, sem que aja espaço para questionamentos totalmente normais e, sobretudo, válidos dentro deste cenário. Isso tudo é perigoso, como alertou sabiamente o jornalista Mauro Cezar Pereira, da Espn Brasil. Ainda mais às vésperas de mais uma Copa, torneio diferente, que um detalhe pode custar o resultado. Fora de campo, a publicidade trata o gaúcho de 56 anos como se este fosse o suprassumo da decência. Como se estivesse acima do bem e do mal, nos conduzindo rumo ao paraíso divino. Tite é unanimidade. E, como disse Nelson Rodrigues, certa vez: “Toda a unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar”.
Jogador bom cabe em qualquer time: Luan cabia nesta seleção
Sobre a lista, os servos de Adenor não são capazes de enxergar que o próprio discurso de seu Oráculo é contraditório. Antigamente, na chamada Era de Ouro do futebol tupiniquim, haviam muitos craques e o papel do treinador que estivesse no cargo era simplesmente colocar todos esses jogadores fora de série para atuarem juntos. Foi assim em 1970, no tri e, em 82, na derrota doída para a Itália, que deixou um legado de campeão ao time canarinho. Os tempos mudaram, assim como a ausência dos grandes atletas. Veio a ânsia por resultados. Quem fizesse isso, automaticamente se tornaria incontestável e ganharia um lugar na prateleira de grandes treinadores.
Tite não precisaria fazer isso. Até porque o material humano não lhe dá um Pelé, Rivelino, Tostão, Socrátes, Zico e cia, longe disso. Mas sequer ter testado Luan mais de uma vez, por exemplo, e levado Taison em quase todas, ou convocado outro lateral com nível melhor que Fagner, é uma crítica que deveria ser feita por quem acompanha futebol. Até porque, dizer que o melhor jogador das Américas não se encaixou no esquema é, no mínimo, estranho. Por que não testou mais, oras? Por que não achou outro esquema em que pudesse ser inserido? A seleção só tem uma forma de jogo? Não sabemos. O problema é que a patrulha em volta do treinador diz que tais questionamentos são “mimimi” — termo infantil, usado geralmente para qualquer opinião que não existam argumentos sólidos para serem rebatidos.
Ao contrário de como foi usado na seleção, Luan não é intenso pelo lado, mas sim por dentro, onde faz muito bem a função de camisa 10, aquele que pensa o jogo e desacelera o ritmo, com toque de bola refinado e qualificado, além da presença de área, do drible curto e chute mortal. Foi assim que mudou a cara da seleção olímpica e ajudou a dar mais dinamismo com Neymar e Cia, e conquistar o ouro no Maracanã. Foi assim como protagonista do título continental incontestável do Grêmio de Renato Gaúcho, em 2017. O que mais ele precisaria ter feito para convencer Tite? Fica a dúvida.
Fagner é jogador de seleção?
O outro questionado é Fagner. O lateral tem ótimos números atuando pelo Brasil. Está há quatro temporadas no Corinthians, que também colheu bons resultados neste período, tendo ele como peça importante no esquema que o próprio Tite armou e deixou para o pupilo Carille, também vitorioso.
Outro ponto: Tite deixou Rafinha de fora. O lateral experiente, que mais se assemelha ao que fazia Daniel Alves, com jogo por dentro, abrindo corredor para o ponta, ficou de fora. Mas, a justificativa da comissão do técnico brasileiro foi uma entrevista ao Esporte Interativo, em que o jogador do Bayern disse que merecia ser convocado. Outros dizem que Tite não gostou de um áudio que o jogador é flagrado contestando as convocações dos jogadores do Shakhtar.
Os injustiçados?
E o que dizer das ausências de Vanderlei e Grohe, tendo Tite convocado Muralha, por exemplo. O goleiro do Peixe foi aclamado pela crítica e opinião pública como o melhor da posição em 2017. A não convocação é inexplicável. Grohe fez uma Libertadores impecável, sendo decisivo em vários momentos. Nem passou perto de ser lembrado mais vezes. Outro que foi bastante contestado é Rodrigo Caio. As seguidas convocações, mesmo estando em baixa, como todo o time do São Paulo, causaram ainda mais repulsa à figura de Tite e sua popular meritocracia. Inclusive, neste período, deixou Geromel de fora muitas vezes, quase até o último minuto. Não podemos esquecer de uma das maiores revelações do futebol nacional nos últimos anos. Ainda mais no meio campo. A não ida de Arthur em detrimento a má fase de Renato Augusto, que também está lá pela confiança do treinador, é lamentável.
As justificativas
Tite justifica que convocou Taison por ele atuar na Europa, no fortíssimo campeonato ucraniano, além de jogar seguidas vezes a Champions League, sem grande sucesso, é verdade. Uma justificação para um, não encaixa com a do outro. É muito simples perceber isso. Menos para quem diz amém. De fato, a seleção brasileira não é mais o celeiro dos melhores. Embora, mesmo não sendo o que já foi, ainda possua arsenal superior a quase todas no mundo.
Fagner está na seleção porque é de confiança do treinador, não apenas por merecimento técnico, embora seja bom em sua posição, atuando no futebol brasileiro. Taison está na seleção por também ser de confiança de Tite, mesmo tendo escolhas melhores para sua posição, como Luan, que atua no time que joga o melhor futebol do Brasil.
Não contestar esses dois casos não significa, também, que Tite é burro ou algo assim. Mas sim, que ele não é o “Messias”, nem tampouco um “encantador de serpentes”, como disse Lugano. Apenas um profissional que fez suas escolhas, como qualquer outro, e ponto final. O problema é o discurso pastoral e cheio de falsa moral, em certos momentos, que não convencem. Neste caso, seria muito mais fácil dizer o óbvio: “a seleção é minha”.