Deixem Neymar em paz!
Essa sexta-feira foi tenebrosa para o Brasil. Não me refiro à seleção brasileira, que venceu um jogo difícil, com momentos de ótimo futebol. Me refiro à vergonhosa atuação dos comentadores esportivos, oficiais ou não, que vêm protagonizando momentos vexaminosos desde a semana passada.
Comecemos pelos ditos jornalistas. Temos alguns profissionais excelentes entre nós, é verdade. Mas afora estes, o que costumamos ver é um misto bizarro de entretenimento idiotizante com pretensos especialistas chatérrimos e ex-jogadores que mal assistem aos jogos (vide Edmundo, que conseguiu a proeza de criticar a suposta má atuação de um atleta uruguaio que sequer entrou em campo!).
Pois bem: agora estes senhores decidiram se tornar comentaristas de redes sociais, policiais de relacionamentos amorosos e fiscais do cabelo alheio.
O que Neymar vem sofrendo é uma perseguição tacanha e covarde, de fazer inveja aos inquisidores medievais. O homem mais caçado pelas botinas adversárias em uma Copa do Mundo desde 1998 é, segundo alguns, um atacante que se joga demais. Outros vão além: dizem que não é tudo isso. Certamente imaginam que Messi jogou o fino da bola no baile que a Argentina tomou da Croácia, ou então pensam que a favoritíssima Espanha deu show na vitória com gol de canela contra o poderoso Irã.
Alguém precisa trazer essa gente para a realidade. Não há jogo fácil nessa Copa e mesmo o ótimo time da França só ganhou da Austrália graças ao VAR.
Aliás, mesmo com toda essa dificuldade, Neymar faz uma boa Copa. Hoje, fez gol, criou chances, deu carretilha, abriu espaço na defesa adversária. Somente alguém que parou de acompanhar futebol em 1970 pode achar que o jogador tem obrigação de fazer chover todo jogo.
Mais injusto do que isso tudo, somente o detestável hábito de se jogar a responsabilidade da frustração coletiva nos ombros de uma só pessoa. Ora, Neymar divide a seleção brasileira com titulares de Barcelona, Real Madrid e Chelsea. No entanto, somente a sua imagem produz um festival de memes depois do empate contra a Suíça.
Todo esse linchamento já é suficientemente condenável. Mas ainda tivemos uma surpresa quando o apito final soou: Neymar não pode mais chorar.
Eu pessoalmente, acho que o capitão Thiago Silva não podia ter chorado antes dos pênaltis em 2014. Mas alguém que veste a camisa mais pesada do mundo, sofre uma exposição midiática estratosférica, lida com uma pressão colossal, faz um gol, dá belos dribles e cala a boca da crítica tem, sim, todo o direito de chorar, se descabelar e fazer o que quiser depois que o jogo acaba. Ídem, tem o direito de usar o cabelo que quiser.
O moralismo dos que criticam a preocupação de Neymar com a auto-imagem ignora completamente os ditames da publicidade a que os craques são submetidos. Nada é mais sintomático em um país cheio de hipócritas, consumidos pelo ódio e pela sanha de ver bruxas queimando na fogueira.
Felizmente, nosso camisa 10, enquanto jogador, ainda pode chegar muito longe nessa Copa. Já nós, enquanto sociedade, não iremos a lugar nenhum com essa bestialidade lamentável.