E ele subiu aos céus…
Apesar do considerável atraso, não poderia deixar de registrar a experiência de dar adeus a um dos meus maiores ídolos no futebol.
Àquele que protagonizou minhas duas principais alegrias enquanto palmeirense: ser campeão da Libertadores em 1999 e, no ano seguinte, defender o pênalti de Marcelinho Carioca pela semifinal da mesma competição.
Não precisava de mais nada para ser elevado à condição de santo.
Nem a falha no Mundial Interclubes de 1999, contra o Manchester United, ou a furada no vexatório 2 a 7 ante o Vitória, pela Copa do Brasil de 2003, poderiam impedir tal canonização.
Nem as incontáveis vezes em que falou mais do que devia, resolveu publicamente o que tinha de ser resolvido no vestiário, criticou quando merecia ser criticado. Nem as várias vezes em que xingou, esbravejou, foi expulso. Foi injusto. Foi passional. Foi torcedor.
Coisa que o camisa 12 fez desde a primeira partida em que defendeu a meta palmeirense até a última, quando se despediu num Pacaembu alviverde por dentro e por fora: representar a arquibancada dentro de campo.
A imagem do goleiro ensandecido, abandonando o gol e correndo para o ataque, faltando mais de quinze minutos para o término do jogo decisivo vencido pelo Grêmio, por um 1 a 0, no Palestra, com três rodadas para o fim do Brasileirão de 2008, que o Palmeiras ainda tinha chances de faturar, foi a que melhor ilustrou isso.
Até porque não existiu santo mais humano do que São Marcos de Parque Antartica.
E decerto é essa característica, aliada à simpatia natural do caipirão de Oriente, que move a paixão dos seus devotos, os quais, em alguns casos, não isolados, sequer vestem verde.
Não à toa Marcos, que sempre afirmou que ser goleiro era a única coisa que sabia fazer na vida, chegou, em um dado momento da carreira, ao patamar de não precisar, necessariamente, defender bolas para ser o ídolo que era. E que permanece sendo agora aposentado.
Foi essa unanimidade, inclusive, que colaborou para fazer da despedida dele mais linda, espirituosa e emocionante do que de craques renomados internacionalmente como Ronaldo e Romário.
E agora entendo o que não conseguia quando era pequeno: como um goleiro poderia ser meu maior ídolo num futebol repleto de meias e atacantes extraordinários como aqueles que desfilavam nos gramados da década de 90?
Por elas, as estrelas, também o “Amém, Marcos” foi o que foi: das mais geniais partidas comemorativas que se organizou nos últimos tempos.
Nostalgia total.
Não sabia para onde olhar.
De um lado estavam Júnior, César Sampaio, Alex, Paulo Nunes, Oséas, Evair, Edmundo e César Maluco (como técnico do Palmeiras).
Do outro, Cafu, Roberto Carlos e os “showmans” Ronaldo Fenômeno, Rivaldo, Denílson e Djalminha, todos no time Canarinho.
Ainda tinha Felipão no banco da Seleção, Clebão, Galeano, Amaral e Euller, “o filho do vento”.
Além do dono da festa, Sergião, Velloso e Dida também guardaram as traves.
E, claro, o maior de todos guardou, e cuidou, como ninguém, da meia canja palestrina: o Divino.
Uma pena, aliás, Chiqui Arce, o percursor de Marcos Assunção, com suspeita dengue, não poder dar o ar de sua graça com cobranças de falta e cruzamentos precisos.
Afinal, se tratava da reunião de gala entre os maiores jogadores palmeirenses da história, tendo a “Família Scolari”, a Seleção mais alviverde de todas, como cereja do bolo.
A chance de várias gerações palestrinas reverem quem deixou saudade. De algumas delas verem quem não puderam ver, ainda que sentissem a saudade de quem já havia visto.
A chance de chorar, como presenciei tantos ao meu redor fazer com sinceridade e simplicidade que Marcão assinaria embaixo. E, caso também tivesse presenciado, com as quais certamente choraria junto.
Lágrimas que, ainda que as tenha sentido no peito, jamais as deixaria mostrar naquela ocasião, embora seja tão fraco para essas coisas quanto é forte minha admiração pelo Santo.
Que também fez meu coração se encher de alegria ao ser carregado pelos quase 40 mil palmeirenses que abarrotaram o Pacaembu naquela noite, correr contra a vontade, mas pela torcida e para a marca do pênalti, e, com tudo já combinado com Dida, assinalar o primeiro e único tento dele na carreira (já que a única vez que havia feito um gol não fora em 90 minutos, mas numa disputa de pênaltis, frente à Inter de Limeira, pelo Paulistão de 2001).
Gol que a injustiça – além da falta de intimidade dos pés santos com a bola – não permitiu que Marcos repetisse no segundo tempo, quando jogou na linha.
Injustiça que fez o herói verde colecionar glórias, alegrias e venerações intercaladas por contusões, cicatrizes e recorrentes sofrimentos durante os 20 anos em que prestou serviço à Sociedade Esportiva Palmeiras.
Injustiça que não permitiu ao camisa 12 ser titular da equipe no augue da era Parmalat, que tanto enriqueceu a sala de troféus da “nostra” casa.
E o fato de a despedida acontecer em uma temporada na qual o Palmeiras ganhou um título nacional após 12 anos e, ao final dela, voltou à Segunda Divisão, querendo ou não retrata essa trajetória de dores e gargalhadas dele no clube.
Se não bastasse, num ano em que Joelmir Beting, outro grande símbolo palestrino, pai de um grandessíssimo amigo de Marcos, que é autor de uma das biografias do Santo e não menos palmeirense, também deu adeus. Mas à vida.
Por essas e outras, somente um cara como Marcos poderia conquistar do mundo à Série B.
Somente São Marcos não trocaria o Palmeiras na Segundona pelos milhões de dólares do Arsenal na Premier League.
Somente São Marcos poderia pechinchar com Deus o pagamento da promessa que fez caso o Brasil vencesse a Alemanha, sem ele tomar frangos, na decisão da Copa do Mundo de 2002, em uma das histórias mais engraçadas desse caipira que, não fosse excepcional arqueiro, seria tão bom quanto contando piadas.
Somente São Marcos poderia fazer de uma livraria o Palestra Itália e lotá-la de palmeirenses como não se viu em vários jogos do “nostro” time.
Somente São Marcos poderia, ao apagar das luzes da meia-noite, apagar os jogos decisivos que os rivais Corinthians e São Paulo teriam no dia 12/12/12 e fazer com que a data fosse lembrada apenas por ele.
E aproveito a oportunidade para te confessar, Marcão velho, que, ainda garoto e sem saber das coisas, fiquei triste quando Velloso se machucou na véspera do clássico contra o Corinthians, na fase de grupos da Libertadores de 1999, te deu lugar e acabou se transferindo para o Atlético Mineiro ainda naquele ano.
Mas é que ele foi meu ídolo antes de você (o que também demonstra uma certa aptidão deste colunista por jogar debaixo das traves).
Também não tinha a noção dos milagres que você era capaz de operar.
Milagres dos quais nunca me esquecerei.
E antes que me peça, Marcão, me antecipo, te agradeço por tudo, e te devolvo o pedido: mesmo que jamais tenha me aproximado menos de dez metros de você, nunca se esqueça de mim.
Porque me esquecer de você é simplesmente impossível.