O futebol sul-americano está em crise?
No último sábado, no estádio Xeique Zayed, em Abu Dhabi, no Emirados Árabes, o Real Madrid entrou para a história ao se tornar o primeiro tricampeão mundial seguido e o único hepta somando todas as taças. Conquistou o feito sobre o azarão Al Ain, dono da casa que eliminou precocemente o River Plate, campeão da Libertadores, em uma das semifinais. A hegemonia da equipe espanhola aliada ao fracasso do clube argentino leva novamente o futebol sul-americano ao divã.
E digo novamente porque o mesmo aconteceu quando o Inter de Porto Alegre não conseguiu chegar à decisão contra a Inter de Milão em 2010. Na semifinal daquele ano, o Colorado perdeu de 2 a 0 para o inexpressivo Mazembe, da República Democrática do Congo, e eternizou a tiração de sarro dos gremistas, que passaram a idolatrar o goleiro do time congolês, o zombeteiro Kidiaba, que quicava com o traseiro no chão para comemorar cada gol da sua equipe (foto abaixo).
As dúvidas sobre a bola jogada no continente sudaca ressurgiram quando o Atlético Mineiro tomou de 3 a 1 do Raja Casablanca, do Marrocos, na semifinal de 2013. Desde então, apenas uma semifinal com clube sul-americano terminou antes da prorrogação: River Plate x Sanfrecce Hiroshima, do Japão, em 2015. Mesmo assim, o êxito argentino foi no limite, por 1 a 0. O último sul-americano que conquistou o Mundial de Clubes foi o Corinthians, diante do Chelsea, em 2012, há seis anos.
O cenário é realmente desastroso. Mas ele não aponta, exatamente, para uma safra ruim de jogadores sul-americanos, como se pode crer. Pelo contrário. Vários deles são protagonistas nos principais clubes europeus: Messi, Suárez e Philippe Coutinho no Barcelona; Aguero no Manchester City; Neymar e Cavani no PSG; Dybala na Juventus; Firmino no Liverpool; Alexis Sánchez no Manchester United, entre outros. Isso sem falar nos ótimos coadjuvantes nessas e em outras agremiações. E os técnicos argentinos estão há bastante tempo entre os melhores, casos de Mauricio Pochettino, do Tottenham, e Diego Simeone, do Atletico de Madrid. O próprio Real Madrid é treinado por um argentino, o iniciante Santiago Solari, e tem em seus titulares os brasileiros Marcelo, símbolo desta geração vitoriosa ao lado do capitão Sergio Ramos, e Casemiro, um dos melhores volantes do planeta.
Para o futuro, os merengues podem contar com o talento do autor do quarto gol ante o Al Ain, Vinícius Júnior, adquirido em maio de 2017 junto ao Flamengo por € 45 milhões (cerca de R$ 165 milhões na época), e do santista Rodrygo, que foi comprado pelo mesmo valor em euros (R$ 193 milhões na cotação de junho deste ano) e chega ao Santiago Bernabéu em julho de 2019. Além dos jovens brasileiros, o talentoso Ezequiel Palacios, meia argentino de 20 anos do River Plate, já está praticamente acertado com o Real Madrid. Ou seja: a América Latina não só continua produzindo jóias como atraindo os olhares dos europeus. E aí está o problema.
Neste futebol endinheirado e globalizado, o Brasil e os principais países da América do Sul são exportadores de mão de obra qualificada. Como bem identifica o jornalista e documentarista Paulo Silva Júnior, “somos tão periferia do mundo quanto o campeão dos Emirados Árabes. Vivemos dos restos de comida da Europa, ou porque não couberam no saco, ou porque voltaram estragados. O resto é pôster na parede”.
É exatamente isso. Os gigantes europeus são verdadeiras seleções mundiais, enquanto, em linhas gerais, ficam por aqui só quem não teve boa proposta para sair — que não precisa ser exatamente boa em muitos casos –, atletas que não tiveram sucesso no exterior ou veteranos próximos do fim de suas carreiras.
Dentro desta lógica, é fácil entender por que uma equipe sul-americana consegue encontrar dificuldades diante de times africanos, asiáticos e cetro-americanos. Na semifinal, ela precisa lidar com um favoritismo gigantesco que, na prática, muitas vezes, não chega perto de ser equivalente. Se vai à final contra o europeu, o sul-americano se vê diante de uma realidade constrangedora.
Também é fácil entender por que existem tantas histórias como a de Caio, atacante brasileiro formado nas categorias de base do São Paulo que foi destaque do Al Ain na vitória sobre o River Plate nos pênaltis. O que não faltam são Caios espalhados pelo globo…
O ponto é: continuaremos negando nossa função exportadora, acreditando na existência fictícia de um “futebol local” e tomando tapas da realidade a cada Mundial de Clubes? É possível mudar este cenário? Neste momento, e em curto prazo, não existe qualquer chance, infelizmente.
Em paralelo com essa distopia geográfica, há outro aspecto que merece ser discutido neste assunto: o insosso campeonato de clubes oferecido pela Fifa. Cientes do desinteresse geral pelo torneio, representantes das seis confederações continentais apresentarão ao conselho da entidade máxima do futebol, no dia 15 de março, em Miami, propostas para um novo formato do Mundial de Clubes, mais atraente. Qualquer coisa que surja me parece capaz de conseguir superar o modelo atual. Mas lamentarei se a competição for realizada só a cada quatro anos, como foi sugerido em março deste ano, durante reunião em Bogotá, na Colômbia.
Fora isso, a proposta é razoável: 24 clubes (país-sede, dois africanos, dois asiáticos, dois centro-americanos, 12 europeus e 4 ou 5 sul-americanos, sendo que a última vaga seria disputada com um representante da Oceania), seis estádios diferentes e 18 dias de bola rolando. Independentemente do formato, uma coisa é certa: a prioridade da Fifa para tomar essa decisão continuará não sendo o futebol, mas sim quantos bilhões lucrará com a nova atração.