Jeitinho brasileiro
Desde que escrevi sobre a seleção brasileira, há mais ou menos uma semana, venho pensando num próximo texto. Prometi a mim mesmo que vou voltar à boa e velha forma e, para isso, preciso desenferrujar. Só tem um problema: eu não gosto de vir aqui por vir. Mesmo que eu acabe escrevendo um péssimo texto, e isso de fato pode acontecer, eu tenho um costume que é tratar os meus temas e posts como as mulheres da minha vida.
As grandes mulheres que passaram pela minha vida, de alguma forma, vieram até mim. Não é que necessariamente elas se interessaram primeiro, mas aquelas que marcaram (ou ainda marcam) história, foram as com que o relacionamento surgiu da forma mais natural possível. E a minha relação com o que eu costumo escrever é muito parecida.
Quando tento caçar algum tema, por mais que eu estude e disseque sobre, o texto soa duro, cru. E o bom tema para mim não é simplesmente aquele cuja relevância é maior, muito menos aquele vá despertar a curiosidade de um número maior de leitores. O bom tema, de fato, é aquele que é capaz de provocar novas discussões, de tocar em feridas que ainda não foram tocadas e, o mais importante: gerar reflexões.
Claro, muitas vezes este humilde colunista não consegue alcançar tais objetivos nos seus textos. No entanto, só a sensação de ter tentado, minimamente, que seja, sair da obviedade que reina no jornalismo, sobretudo o esportivo, já é confortante.
E tal dilema me chamou muito a atenção hoje cedo. Ao acordar, abri o meu querido notebook para ler as notícias e me deparei com a nota de que o Santos estaria vendendo Cicinho, seu lateral-direito. Como santista, minha primeira atitude foi de total comemoração (Cicinho nunca entregou o que dele se esperava), até ler a matéria do site Globoesporte.com na íntegra.
O Peixe vendeu 50% da fatia que possui do jogador (a matéria não precisa qual é a porcentagem que o clube possui sobre o atleta) para uma empresa chamada Elenko, por R$ 2,5 milhões. Foi aí que me lembrei que este tipo de negociação estava proibida pela FIFA. Agora, uma empresa não pode mais ter percentagens sobre direitos econômicos de jogadores.
Porém, como para tudo no Brasil, deram um jeitinho.
A empresa, chamada Elenko, usará o Penapolense como uma espécie de barriga de aluguel. Na teoria, o Santos não venderá essa fatia à empresa, mas sim ao clube do interior de São Paulo. Só que na prática a história é outra, uma vez que o jogador jamais atuará pela equipe que disputou a Série A-1 do Campeonato Paulista deste ano. O seu destino mais provável é a Ponte Preta.
Essa manobra pode (e muito provavelmente irá) servir de exemplo para empresas que invariavelmente investiam em futebol, transformando a regra estipulada pela FIFA em mera piada. O que é uma pena, pois essa medida traria excelentes mudanças para o futebol brasileiro a longo prazo. Afinal, é um absurdo clubes poderem vender porcentagens de atletas para se livrarem de dívidas emergenciais e, mais tarde, quando poderiam faturar muito mais, eles têm apenas uma pequena parte sobre o atleta.
O próprio Santos sofreu com isso anos atrás. Precisando pagar dívidas, o ex-presidente Marcelo Teixeira vendeu consideráveis pedaços dos direitos econômicos dos ainda jovens Wesley, Ganso, André e Neymar. A DIS pagou cerca de R$ 1 milhão por partes consideráveis destes quatro atletas. O prejuízo do Santos, após as suas respectivas vendas, foi absurdo. O processo se repetiu no ano passado, quando Odílio Rodrigues fez o mesmo com Gabriel, Geuvânio e Alisson. Desta vez, vendendo à Doyen. Certamente haverá um novo prejuízo.
A medida da FIFA, por hora, diminuiria o poder de fogo dos grandes clubes, já que eles não têm as empresas como suas aliadas em possíveis contratações. Mas este processo poderia fazer com que os clubes aproveitassem melhor as suas bases, podendo lucrar muito mais com elas num futuro próximo.
Por isso, é a hora da FIFA não se omitir. Uma vez comprovado que o Penapolense servirá apenas de barriga de aluguel, os envolvidos na manobra precisam de ser punidos. Ou, no mínimo, avisados de que não poderão confirmar a transação.
Só que em meio a tantos escândalos envolvendo seus diretores, eu duvido que a entidade internacional arrume tempo para meter o bedelho nessa questão, com isso, mais uma vez, os manda-chuvas do futebol comemoram o bom e velho jeitinho brasileiro.