O espírito de Parreira
Nem de longe tão importante quanto a de Rodrigo Janot, também anunciada nesta semana, a lista de convocados do técnico Dunga para os amistosos da seleção brasileira contra França e Chile, neste mês, a última antes da Copa América, não me deixou surpreso (assim como a do procurador-geral da República).
Tampouco indignado com a presença ou ausência de algum nome (aqui, a história talvez mude…).
O que temos de melhor, de fato, está ali.
De repente pudesse ter uma ou outra mudança, mas nada que mereça mudar o rumo deste post, pois, igualmente, não mudaria o rumo da Seleção.
A impressão que tive quando li os 23 escolhidos por Dunga, que você pode conferir AQUI, caso não o tenha feito ainda, também não é novidade para mim e, decerto, para tantos outros brasileiros (inclusive para aqueles que não gostam muito de futebol, mas, empolgados pelo clima da “Copa das Copas”, acompanharam o time de Felipão no último mundial): temos um elenco competitivo, com pelo menos um jogador bom em cada posição e Neymar continua sendo o único “fora de série” (a inesperada convocação de Robinho, que faz ótimo início de temporada no Santos, é, de alguma forma, uma tentativa de encontrar outra referência, outro craque).
E isso, claro, é um problema para quem se acostumou a apreciar, nos últimos 20 e poucos anos, vários “fora de série”, como Romário, Careca, Ronaldo, Rivaldo, Edmundo (embora estranhamente reserva da equipe de Zagallo em 1998), Ronaldinho Gaúcho, Kaká e Adriano (no auge). Muitos deles atuando juntos.
Mas a “neymardependência” não seria um problema tão grande se quem comandasse nosso futebol não fossem pessoas tão ultrapassadas (do ponto de vista técnico, intelectual, ideológico, filosófico e em qualquer outro que você, leitor, possa imaginar), que tem como principais trunfos “cartilhas de conduta” e discursos motivacionais que pregam, em suma, “mentalidade vencedora”, como exaltou Dunga, por ora mais comedido do que na passagem anterior pela CBF, na coletiva de terça-feira, e pela qual também clamou o técnico do Vasco, Doriva, outro dia.
E utilizo o reserva do capitão do Brasil na Copa de 98, tão aguerrido (termo que, no futebol, é constantemente usado para classificar jogadores “pernas-de-pau” por vezes violentos) quanto o titular da posição, para apontar o que acredito ser a doença sofrida pela Seleção desde 94, que também tinha Dunga vestindo a braçadeira: o “espírito de Parreira”, expressão empregada pelo jornalista inglês Scott Moore em artigo no Diário do Centro do Mundo, para fazer referência ao treinador Carlos Alberto Parreira, que tinha no xerifão Dunga sua personificação dentro de campo.
Do tetracampeonato nos Estados Unidos até o ano passado, Parreira, que não era mal técnico mas nada explica a frequente lembrança pelo seu nome, arrumou uma vaga na CBF para participar dos mundiais seguintes, com direito a “descanso” em 98, 2002 e 2010 (anos em que os treinadores foram, respectivamente, Mário Lobo Zagallo, eterno braço direito de Parreira; o também xerifão Luiz Felipe Scolari, que voltaria em 2014 ao lado do nosso amigo com sobrenome de árvore; e Dunga, o atual comandante, já citado anteriormente).
Bem antes, Carlos Alberto Parreira havia sido preparador físico do Brasil na Copa de 70, no México, e técnico do time em 83, numa passagem rápida com números discretos: cinco vitórias, sete empates e duas derrotas. Empenhado em manter o bom relacionamento com a confederação que rege nosso futebol, faz questão, até hoje, de elogiar as virtudes (que, por vezes, não são virtudes) dela – claro, se esquecendo, quase sempre, dos inúmeros defeitos.
Também de forma interrupta, algo semelhante aconteceu com Zagallo desde que dirigiu o time canarinho pela primeira vez, em 1967, até a Copa de 2006, competição em que exerceu a função de auxiliar de Parreira. Seu maior orgulho é ter participado dos quatro primeiros títulos mundiais do Brasil: 58 e 62, como jogador; 70, como técnico; e 94, também na condição de assistente de Parreira. Porém, o Velho Lobo já estava superado como treinador na Copa de 98, quando caiu na final para a França de Zidane.
Isso tudo quer dizer: a seleção brasileira precisa, urgentemente (!!!), de renovação (!!!).
Precisa de evolução, discernimento, estudo, humanidade, audácia, cabeças novas, pensantes, progressistas, desapegadas a práticas autoritárias. A Seleção precisa de gente que conheça futebol e saiba beber, também, do que há de bom e não faz parte do seu mundo (e, sejamos justos, até que Dunga tem melhorado no último quesito). Precisa convocar Philippe Coutinho (o que foi acertado) sabendo como a equipe dele (e todas as principais do planeta) joga(m).
Ou seja: precisa de tudo que não seja Dunga e Alexandre Gallo, outro ex-volante “aguerrido” que, como coordenador das categorias de base da Seleção, ressuscitou a ignorante medida de Daniel Passarella na seleção argentina de 98 (entenda AQUI).
“Eu vou implantar uma nova mentalidade na base. Não tem mais brinco, não tem fone de ouvido, não tem cabelo, marra, nada. Os que têm, estão fora. Só jogadores comprometidos serão convocados”, sentenciou o comandante com sobrenome de ave ao Estadão em julho de 2013.
O mais irônico (e trágico) é que Gallo chegou à CBF para tentar amenizar o fracasso do time sub-20 no Sul-Americano de 2013, na Argentina. Sob o comando de Emerson Ávila, a equipe, então tetracampeã da competição, fez a pior campanha de sua história e foi eliminada ainda na primeira fase, com a última colocação do grupo B.
Com o novo técnico, o time também deu vexame na edição seguinte do torneio, neste ano, no Paraguai, onde conseguiu apenas o quarto lugar. Assim, Gallo perdeu o cargo de coordenador da base para Erasmo Damiani, ex-Palmeiras. Mas, infelizmente, continua à frente das seleção dessa categoria e, também, da olímpica.
Aliás, a convocação de Gallo para os amistosos da seleção que tentará o inédito ouro em 2016, anunciada na última sexta assim como a lista de Janot, mostra que o futuro do futebol brasileiro, caso siga nessa toada, deve continuar melancólico. Os nomes escolhidos são bons, mas 11 dos 23 convocados já atuam fora do país. Mais do que isso: têm jogadores “estrangeiros” em todas as posições, exceto a de goleiro. Também vale a ressalva de que Vitinho e Dória foram repatriados recentemente, senão o saldo negativo seria maior.
Aí, claro, diante desse quadro, não tem como existir formação de atleta, liga nacional forte, convocados atuando juntos em seus clubes, identificação do torcedor com o Roberto Firmino, entre outras coisas.
E é por tudo isso que, de uns tempos para cá, após cada convocação do Brasil, não consigo analisar muito os nomes chamados, desde que os de Neymar e dum ou doutro sejam lembrados, ou me importar com vitórias em amistosos e títulos de Copa América/das Confederações/Superclássico das Américas.
Apenas trato de recordar, a quem consigo, que Dunga, Gallo, Felipão, Gilmar Rinaldi, Parreira, Zagallo, José Maria Marin, Marco Polo Del Nero e Ricardo Teixeira não podem mais estar onde estão ou onde estiveram recentemente.
E, após o belíssimo retorno de Tite ao batente neste ano, este sentimento só aumenta.
Nada contra o Corinthians, obviamente.