Do Lollapalooza ao futebol brasileiro
Calor, aglomeração de pessoas, filas intermináveis, falta de funcionários para orientar o público e de banheiros para o mesmo. Ausência de telões, comidas ruins e caras, dificuldade na compra de ingressos pela internet, condições precárias tanto para as estrelas do espetáculo como para quem irá aplaudi-las. E tudo isso por um preço mais salgado que o bacalhau da Sexta-Feira Santa.
Não, não é ao futebol brasileiro que me refiro, mas, sim, ao tal do Lollapalooza. Qualquer semelhança, porém, não é mera coincidência.
A verdade é que o festival musical que aconteceu neste feriado de Páscoa no Jockey Club, em São Paulo, é um exemplo para o nosso futebol em relação a organização e infraestrutura.
Um exemplo a não ser seguido, evidentemente.
Assim como o esporte mais popular do País, o Lollapalooza sofre com todas as críticas citadas acima. Também sofreu com elas em 2012, e os responsáveis pelo evento prometeram melhorias na edição deste ano.
Mas pelo que se viu, elas não aconteceram na proporção que se esperava.
Os fãs das bandas contempladas no festival permaneceram tendo de suportar o calor do meio-dia sem um local com sombra e tendo de se virar com outros onde era impossível enxergar alguma coisa ou sequer ouvir as músicas. Continuaram tendo de enfrentar horas em filas para entrar, sair, ir ao banheiro, comer e beber — claro, sempre pisando em lama e cocô de cavalo para realizar tais tarefas (“Filapalooza” e “Lamapalooza”, apelidaram os internautas). E tudo isso por uma bagatela de R$ 350,00. Ao menos, em boa parte dos casos, porque a meia entrada era R$ 175,00 e tinha ingresso de até R$ 900,00. Água custava R$ 4,00; cerveja, R$ 8,00. Os ambulantes eram poucos e a ficha comprada em um dia não servia no seguinte.
No nosso futebol a história tem roteiro parecido: torcedores cansados de enfrentar filas quilométricas para comprar ingressos, dos horários tardes dos jogos do meio de semana, da falta de estrutura dos estádios e dos problemas para entrar e sair deles. Tudo também por um valor temperado com o sal do bacalhau do último feriado. E a interdição do Engenhão, motivo de vergonha internacional, é, infelizmente, apenas uma amostra disso.
Os problemas não se restringem, também, àqueles que querem assistir ao evento. Os protagonistas dele sofrem com a mesma incompetência de quem os promove.
Assim como os jogadores dos nossos times são obrigados a encarar maratona de campeonatos, muitas vezes enfrentam gramados esburacados, desconhecedores do que é drenagem, altitude e clima de guerra em campos pela América Latina, os integrantes das bandas que realizam eventos por aqui precisam se virar, em alguns casos, com problemas com equipamentos e caixas de som velhos, acústica inadequada e interferências sonoras com outros palcos.
Foi assim nos últimos dois anos de Lollapalooza. Na SWU (Starts With You) 2012, há quem diga que a coisa foi ainda pior.
Se não bastasse, o fenômeno visigodo que sucateia a Libertadores também serve como desculpa para a falta de organização e infraestrutura oferecidas pelas empresas que organizam esses festivais musicais — e que, repito, cobram ingressos caríssimos por eles. “O show não tem a mesma graça se não pisar na merd… e se matar por um lugar minimamente razoável”, certamente argumentaria algo do tipo um fã mais aficionado.
“Será?” é a pergunta que vale para os dois casos.
Empresas riquíssimas colocam dinheiro nestes eventos e o mínimo que se espera deles é preocupação com o bem-estar e completo aproveitamento de seus clientes.
No caso do futebol, a preocupação deve partir, sobretudo, dos clubes e federações responsáveis pelos campeonatos.
Aliás, as arenas construídas para a Copa-14, se causadoras duma gastança absurda de dinheiro público, podem, em contrapartida, ser uma ferramenta importante para que se qualifique os grandes eventos realizados no Brasil.
E a sombra do UFC (Ultimate Fighter Championship), modalidade tão contestável quanto o dinheiro público gasto nos novos estádios e que sustenta a utópica meta de ser o principal esporte do País, pode ser sadia no mesmo sentido.
O que, em hipótese alguma, deve dar margem a uma possível elitização do público dos grandes eventos. Afinal, futebol e música são bens culturais do povo e, portanto, o preço das entradas desses programas deve ser acessível a todos. Pelo menos, a maior parte dos ingressos tem de ser mais barata, de forma a permitir que aqueles que sempre frequentaram tais eventos continuem fazendo isso.
Porém, como disse, ambos fatores podem fazer com que quem cuida da nossa bola – e hoje essa (s) pessoa (s) inexiste (m) -, enfim, dê o devido tratamento a este mercado mais do que potencial e estabeleça uma meta crescente para a marca do futebol brasileiro.
Ele agradeceria.
A música, igualmente.