O amor que é amor
Somente alguém que nasceu nos últimos quinze dias poderia considerar normal a imagem ao lado.
Há pouco mais de um mês, a foto que ilustrava esta coluna era inversamente proporcional. O título era quase o mesmo. Salvo a retirada de uma palavra monossílaba e diferença de significado de um alfabeto inteiro.
Intitulado de “Amor que não é amor” (clique AQUI e leia), o texto que escrevi em 11 de março criticava as últimas manifestações violentas de torcedores uniformizados no Brasil. O principal e mais recente caso que cito é a agressão de integrantes da Mancha Verde em Fernando Prass e Valdívia no saguão do Aeroparque Jorge Newbery, em Buenos Aires, depois da derrota do Palmeiras no minuto final para o Tigre, pela Libertadores da América.
Antes disso, outros dois textos publicados aqui, no Futeboteco, um de Gabriel Lima e outro meu, ajudam a mostrar que pelo menos desde 2010 o relacionamento entre clube e torcedor não é dos melhores: “Palmeiras à flor da pele” (clique AQUI e leia) e “Nervos (ainda) à flor da pele” (clique AQUI e leia).
O porquê da mudança da água pro vinho não se sabe. Apenas que ela é o maior e mais econômico reforço do Verdão na temporada.
Cofres quebrados, nenhuma perspectiva de contratação de peso e Série B como prioridade. Chuva forte, saída do trabalho para muitos e, consequentemente, congestionamento na metrópole brasileira dona de um dos trânsitos mais caóticos do globo.
Não bastasse tudo isso e a já conhecida limitação técnica do elenco, Gilson Kleina teria de se virar com onze desfalques. Pelo menos sete deles, potenciais titulares.
Nada, porém, impediu que mais de 35 mil palmeirenses pintassem de verde o Pacaembu na noite da última quinta-feira, frente ao paraguaio Libertad, pela fase de grupos da Libertadores, que é obsessão!
Marca expressiva a ponto de impressionar um senhor corintiano, com seus 60 e tantos anos, presente no mesmo estádio no dia anterior, pela mesma competição mas com quatro mil testemunhas a menos.
Ao me ver trajado com o manto palestrino em um ponto de ônibus no limite de Taboão da Serra com São Paulo, quando ainda esperava meus amigos para ir ao jogo, ele seguiu em minha direção e, sem me conhecer, desejou sorte à agremiação rival, demonstrou-se surpreso com os ingressos esgotados e conversou comigo cerca de vinte minutos em uma daquelas histórias que só a paixão pelo futebol proporciona.
E é dessa relação com o esporte que venho falar, até porque outros palmeirenses, com maior precisão, já descreveram as impressões de, após longo e tenebroso inverno, presenciarem tamanha comunhão entre time e torcida. No entanto, ainda assim, fique ciente, caro leitor, de que não me aguentarei e as deixarei escapar em algumas das próximas linhas.
O que se viu, e se sentiu, quinta-feira ante o Libertad e na terça anterior, no embate de volta contra o Tigre, ambas num “Porcoembu” lotado, foi um amor que é amor.
O amor de uma torcida que demonstrou saber, “de cor e salteado” e verde e branco, o significado do verbo torcer. Coisa que ela sempre soube, mas parece que havia esquecido, tal qual havia esquecido o que era estar tão lado a lado com o seu Palmeiras.
Amor capaz de superar, como nem o mais otimista palestrino poderia imaginar, os vexatórios “mirasseis” de outrora. E só não digo que tenho vontade de bater asas para esquecê-los porque me recordaria de similar derrapada.
Diferentemente do que aconteceu no final do ano passado e no início deste 2013, não houve racha entre as uniformizadas e os torcedores comuns.
Ou entre as próprias uniformizadas.
Todas e todos cantavam juntos.
Inclusive quem nem no estádio estava, mas tinha um “P” gravado no peito. Ainda que somente por dentro.
Pediam pelo mesmo jogador. Ou melhor, por todos eles, porque a torcida era uma só.
Torcida e time, claro.
A torcida do Palmeiras – e de mais ninguém -, que apoiou seus onze representantes do começo ao fim.
Torcida que, na quinta, correu com Vinícius, chutou com Wesley para, durante o trajeto da redonda, interceptá-la com o contestado Charles e, ainda com ele, mais precisamente por meio do pé esquerdo dele, marcar o tento que passou entre as pernas do arqueiro paraguaio e tornou a comemoração da classificação às oitavas tão fervorosa quanto a de um título de Copa do Mundo.
E não teve Turma do Amendoim ou quem quer fosse para xingar quando o mesmo Wesley, infantilmente, foi expulso.
Aliás, eu e pelo menos um amigo e uma amiga nem tínhamos percebido, e acredito que outros tantos também, pois bastava empurrar o nosso Palmeiras.
Um Palmeiras que é minha vida. De todos os palmeirenses. E dos onze valentes que ali estavam.
Ao menos tem sido assim.
Ontem, outra vez no “Porcoembu”, testemunhou-se o mais recente capítulo da lua de mel entre o Verdão e suas noivas.
Não eram tantas como nas oportunidades anteriores, mas que apoiavam como se fossem.
E a equipe, novamente, sentiu o abraço e o retribuiu com raça, agora transformada em gols.
Quatro, como não se via desde maio de 2012.
A quinta vitória consecutiva desde fevereiro do mesmo ano.
Não sei se tal harmonia se deu após o presidente palmeirense, Paulo Nobre, proibir a venda direta de ingressos para a Mancha Verde devido às agressões no aeroporto argentino. Medida que teve pronta reação da uniformizada, que, em comunicado oficial, disse não se importar em cortar relações com o mandatário.
O que sei é que a empolgação não pode deixar o torcedor brasileiro esquecer que as organizadas, sucateadas e muitas delas com criminosos infiltrados, precisam ser imediatamente reformuladas.
E os dois membros da Cearamor (repare no nome!), principal torcida organizada do Ceará, mortos a tiros na tarde de ontem, em confronto com integrantes da Jovem Guarda Tricolor, uniformizada do rival Fortaleza, a 4 km do Castelão e faltando menos de duas horas para o início do clássico regional que servia como evento-teste para a Copa-14, tratam de refrescar nossa memória.
Os 184 torcedores (dos quais boa parte era menor de idade) detidos no mesmo “Clássico-Rei”, igualmente.
Reformular as organizadas, porém, não é suficiente para que se reverta completamente este quadro assustador. Afinal, como já dito, violência é um problema cujas raízes estão na desigualdade social que, entre outras coisas, aflige o futebol. Um problema cuja solução é das mais difíceis de se encontrar e o atual (e urgente) debate sobre a diminuição da maioridade penal, que apresenta, simultaneamente, um artifício do crime organizado e a necessidade de atentar-se à causa e não apenas à consequência, dá essa exata noção.
Mas voltando às quatro linhas, a justiça pede que se elogie o exemplo que os palmeirenses têm dado.
Um exemplo para nós próprios, alviverdes, pois vaiávamos, quando as pelejas mal começavam, atletas que transpiravam como estes transpiram, mas que não inspiravam como estes também não inspiram.
E Luan, que jogou a decisão da Copa do Brasil de 2012 contundido e nos minutos derradeiros permaneceu em campo se arrastando, não me deixa mentir.
Os palmeirenses, hoje, também são um exemplo para as demais torcidas.
Exemplo que tem de durar para sempre.
Mesmo quando os heroicos comandados de Kleina saírem derrotados.
E se jogarem mal e não apresentarem a garra de antes, que recebam as críticas cabíveis, lógico. Contudo, depois que o juiz der o apito final.
Porque enquanto a equipe tentar a torcida tem de torcer e torcer não pode ser outra coisa senão amar.
E, ao menos nos últimos jogos, a Mancha tem sido amor.