Ambíguo
Eis que o blog retornou à ativa. E é com imensa satisfação que torno a escrever algumas linhas por aqui.
Na ciclicidade a que somos submetidos, ao mesmo passo a gloriosa Copa São Paulo de Futebol Júnior se encerrou.
Aliás, estive ontem no Pacaembu, acompanhado de meu irmão e mais três amigos (entre eles Gabriel Globe, blogueiro do Futeboteco, conhecido por nossos leitores), debaixo dum incessante sol para acompanhar de perto a solenidade em regozijo da garotada.
À parte o estranho fato de, antes do jogo, presenciar o descrédito de alguns “especialistas” da nossa crônica esportiva no que dizia respeito a expectativa de bom público no Paulo Machado de Carvalho – justamente em pleno feriado paulista no PAÍS DO FUTEBOL, com entrada franca e tendo como protagonistas nada menos que Flamengo e Bahia -, um sentimento curioso pautou tal experiência. Embora indefinível, tal sensação pode muito bem ser caracterizada pelo adjetivo “ambiguidade”, visto que era exatamente a dualidade de naturezas do local que por várias vezes fez com que me confundisse com o que lá sentia.
Era feriado em São Paulo, futebol de graça, pastel com caldo de cana (para Gabriel, com a velha cervejinha) e um bom papo com os amigos no pré-jogo. No pós, futebol de qualidade dentro do estádio mais charmoso da cidade, por sua vez, abarrotado de flamenguitas – entre baianos e cariocas, quase 30 mil pagantes. A festa foi linda, embora dividida as torcidas, não era esse fato que impedia de avistar um torcedor tricolor festejando ao lado dum rubro-negro.
No gramado, o espetáculo foi tão bom quanto fora. As duas agremiações, empurradas por seus respectivos fiéis, buscavam o gol a todo o momento – é verdade, com leve domínio dos cariocas. Conforme corria o cronômetro, novos talentos davam o ar de sua graça ao grande público. Enquanto finalíssima, o embate foi emocionante até o seu encerramento, como prevê todo e qualquer tipo de roteiro que busque descrever uma.
Contudo, simultâneo ao mar de rosas, minha razão não me permitia crer num futuro diferente a César (como agarrou!), Muralha, Nagueba e Adrian, do Fla, e Felipe e Rafael, do Bahia, que não o Leste Europeu ou o “Mundo Árabe”, tão almejados por seus empresários.
Não era o prazer em assistir um bom espetáculo de bola no feriado, junto dos amigos, que me permitia ignorar o fato da maioria daqueles garotos com responsabilidades de adultos, antes de vir a de fato se tonarem profissionais, possivelmente já possuírem suas fatias espalhadas por milionários donos de grandes multinacionais, pelos quatro cantos do Brasil.
É por tal motivo que me refiro, neste post, a um sentimento ambíguo. É ele que faz com que tenha de repetir chavões de início de temporada, do tipo: “A Copinha não tem mais o mesmo charme, é inchada demais, não revela mais ninguém.”
Chavão que se faz estritamente necessário, pois sai ano, entra ano, e as coisas continuam iguais. Senão, piores. Cada vez com mais times terminados por “S.A.” e “Ltda.” massacrando – dentro e fora de campo – as lendárias agremiações, reféns subservientes dos empresários da bola. Com jogador de fralda vendido pra “Eslorávia” e uma competição em que até o pior não tem por que jogar no Flamengo ou no Corinthians.
Vivemos numa era em que treinador não indica, e diretoria, muito menos, contrata. O Senhor da situação é o tal do empresário. Ele lava, passa, cozinha, manda, desmanda, e quando pula fora com seu pupilo, ainda leva milhões do clube. São os sanguessugas das categorias de base que, nas horas vagas, impõem seus atletas às grandes equipes como quem desfrutasse do cargo mais alto delas.
À propósito, eles se especializam nos times com os quais mais se “simpatizam”. Veja: o comparsa argentino de Kia Joorabchian (lembra dele?) e de Pini Zahavi (israelense que consta no relatório do MP-SP como um dos “laranjas” da MSI), Gustavo Arribas, sócio da HAZ Football Worldwide Ltda, empresa localizada no paraíso fiscal de Gilbraltar, na Espanha, e que também lava dinheiro no Deportivo Maldonado, da segunda divisão uruguaia, trouxe outro dia Max Pardalzinho ao Palmeiras.
Quem? De onde? Joga bem?
Sei lá. E, muito provavelmente, nem Arribas saiba. O importante é o cliente que ele conseguiu. Com Max, chegaram Thiago Heleno e João Vitor, CURIOSAMENTE, jogadores também empresariados pelo mafioso, o primeiro com registro no suspeito clube do sul do Uruguai.
Juan Figger, quase sempre, tem uma nova promessa para Juvenal. Às vezes calha de se transformar num Lugano. Na sua maioria, termina como um Carleto ou Saavedra.
Até na Seleção empresário manda. Cria, alimenta e coloca jogador nela como quem cuida de Tamgotchi. Carlos Leite impera na CBF. Vide apenas os nomes dos ex-corintianos André Santos (lateral-canhoto titular) e Mano Menezes (técnico-canarinho titular) como alguns dos seus agenciados.
Aliás, o Timão é mesmo o grande mercado de Leite (na companhia do Vasco). Willian, (a não ser na Série B) nunca antes visto, em parceria com o banco do Valerioduto, BMG, acertou por uma boa bagatela (não divulgada) contrato de quatro anos com o Corinthians. O ex-avante do Figueirense também mantém vínculo com o empresário Eduardo Uram, detentor de uma das infinitas fatias do atleta.
Como anunciou o Blog do Paulinho (http://www.midiasemmedia.com.br/), mais dois nomes foram acertados pelo Alvinegro, porém, ninguém – ainda – sabe: o arqueiro Ederson, igualmente oriundo do Figueira, e Felipe, ex-atacante do Mecão do Rio, que iniciou sua carreira no Valdevez de Portugal. País onde Carlos Leite possui um sócio com grande influência no mercado interno…
Quando aparecem por aqui Ronaldo, Ronaldinho, Roberto Carlos, Deco e Rivaldo, já com as mãos direcionadas ao cadarço de suas chuteiras, todo mundo se ilude. Natural, quem ama futebol – como eu – não tem pra onde correr. Todavia, a mais pura verdade é que o retorno de tais medalhões ameniza a partida dos nossos jovens craques, os quais permanecem se aventurando em qualquer terra em que se pague alguns milhões de euros por um contrato de três, quatro anos. Giuliano no Dnipro da Ucrânia (???), é o mais recente relato. No entanto, decerto, logo menos outro tratará de tomar-lhe o lugar.
É por essas e outras que ontem a final valeu. E não valeu. Valeu porque, do ponto de vista do entretenimento, diversão com bom futebol, e duas grandes equipes e torcidas, sem dúvida não faltou.
Agora, do ponto de vista de proposta inicial da competição (na sua criação, em 69), inserida na lógica mercadológica em que o futebol contemporâneo se encontra, a coisa muda de figura.
O atestado é de que clubes-empresas, no perfil do tal Desportivo Brasil, devem cada vez mais ganhar espaço à custa de entidades históricas falidas, fortalecendo ainda mais o mercado empresarial dentro do futebol. O Barueri e Guaratinguetá de ontem, que hoje são Prudente e Americana, amanhã, se o negócio for bom, serão qualquer outra coisa. E se, até outro dia falava-se que devido ao inacompanhável vai e vem de jogadores só se podia torcer pela camisa, pelo nome do time, em breve, quem sabe, nem mais por isso poderemos.
*Já na próxima quarta-feira, Diego “Barão” de Carvalho retoma o quadro de charges.