Contos de fadas ainda existem
No fim da última semana, como torcedor assíduo do Boston Celtics, eu estava desolado. Os dois jogadores que marcaram uma geração na equipe mais vezes campeã da NBA, e que fizeram de mim um legítimo celta, apresentaram-se na equipe de Nova Iorque Brooklin Nets.
Sim, isso aqui continua sendo o Futeboteco e continuaremos dedicando todos os nossos textos ao melhor esporte do mundo. No entanto, eu quero muito pegar uma carona no basquete americano para tentar promover uma reflexão tão antiga: o tal do amor à camisa.
Retomando a história, os emblemáticos jogadores que deixaram os Celtics para atuar nos Nets são o ala Paul Piece e o ala-pivô Kevin Garnett. Juntos, os atletas conseguiram um título na temporada 2007/08 e tornaram-se ídolos dos torcedores alviverdes (foto). Pierce, aliás, nunca atuou profissionalmente por outra equipe.
Para você, leitor, que não acompanha o noticiário da NBA, a saída dos jogadores foi opção do próprio Boston Celtics, que aceitou uma troca envolvendo vários atletas e futuras escolhas de draft (evento promovido no início das temporadas, no qual os calouros são selecionados).
Basicamente, o time de Massachussetts pretende renovar o elenco, e Pierce, de 35 anos, e Garnett, de 37, passaram a não mais fazer parte dos planos, apesar de todos os serviços prestados.
Mas o que me fez refletir foi a primeira entrevista coletiva dos jogadores no novo time. Eu nunca havia visto declarações de amor de um jogador ao seu ex-time em plena apresentação num rival. Com certeza algo inimaginável no futebol, principalmente no brasileiro.
Entre algumas frases, eu destaco este trecho de Pierce. “Minha ficha só caiu realmente agora, e só agora estou tendo noção que não sou mais um celta e sim um net. Doeu ser negociado. Eu queria ter passado toda minha carreira em apenas uma cidade e no time que eu amo. Mas tenho certeza que contos de fadas não terminam assim.”
É claro que muitos irão dizer que os atletas têm de ser profissionais e blá-blá-blá. Mas eu não vejo falta de profissionalismo em você expressar seu amor e a sua gratidão ao clube que ama, por mais que precise detê-lo em determinado momento da vida.
E essa simbiose que existe entre certos jogadores e torcedores, nenhuma quantia em dinheiro pode comprar. No Brasil, os exemplos mais recentes são os goleiros Rogério Ceni e Marcos, que atuaram durante suas vidas inteiras por São Paulo e Palmeiras, respectivamente.
Na Itália, o meia Francesco Totti já recusou muitas propostas milionárias para deixar a Roma. Além do dinheiro, as ofertas apresentavam novos desafios e possibilidades maiores de título. Não foi o suficiente para seduzi-lo. Nem mesmo a oportunidade de concorrer a um prêmio de melhor jogador do mundo.
Porém, com o passar dos anos, casos como o de Totti, Ceni e Marcos vão ficando cada vez mais raros. O dinheiro e a famosa “oportunidade de angariar novos desafios” vai falando mais alto. E a essência do futebol, que nada mais é do que a paixão, vai sendo colocada para escanteio.
É a paixão pelo esporte que fez com que aquela criança um dia se interessasse a praticá-lo. E muitas vezes, essa paixão é fruto do amor dela por uma instituição ou por um ídolo.
É claro que, em muitos casos, a estreita relação do atleta com o clube se desenvolve conforme ele inicia um trabalho por lá. Mas se existe um motivo fundamental para o futebol ser um grandessíssimo negócio, é porque ele mexe com a paixão das pessoas.
E quando o torcedor que tanto é apaixonado por um clube começa a não se sentir verdadeiramente representado por atletas que compartilhem do mesmo sentimento que o dele, é natural que aos poucos o seu interesse pelo esporte passe a diminuir.