Eu vi
Sim, pode falar, sou “ronaldista” mesmo. Descobri o que era futebol no ápice da Geração Ronaldo.
O presenciei, ainda Ronaldinho, subir aos céus e descer ao iferno em fração de segundos – ou melhor, em sete partidas – na Copa de 98: marco da minha paixão futebolística.
No Mundial seguinte, vibrei com seu ressurgimento triunfante e não fossem as razões estéticas, naquele 2002, teria aderido o ‘Visual Cascão’.
E não poderia ser diferente. Embora a elegância com que jogava Zidane o tenha permitido ser um maestro com a redonda nos pés, e, a sapiência de Romário quando ilhado meio a zona de 18×5 m, o grande guardador delas, Ronaldo foi inevitavelmente o maior que vi.
Inevitavelmente porque conseguia unir a qualidade de ambos numa receita que lhe rendeu os maiores louros cujo um jogador pode almejar.
É bem verdade que durante sua carreira existiram tropeços.
Tal como se eles não existissem jamais sua história teria sido pautada pela superação, e o Fenômeno igualmente não teria sido fenomenal, também, por suas recuperações.
Tudo bem. Não sou adepto do pensamento de que precisamos, necessariamente, errar para aprender. Porém, tais erros não podem sobressair perante a contribuição de Ronaldo para com o futebol.
Aliás, contribuição para o Brasil.
O maior camisa 9 da história (já que com exceção à sete que vestia Garrincha, os gênios sempre preferiram a 10), o qual hoje pindura seu par de chuteiras, é simplesmente o dono de um dos rostos mais famigerados desse planeta.
A mola propulsora que mais acelerou a Indústria Esportiva.
O embaixador da ONU. Figura que transcende às rivalidades do futebol, para ser cidadão do Brasil. Do Mundo.
No ano passado, o Fenômeno tocou num ponto certo, quando alvo de críticas devido a seu peso e conseguinte futebol apresentado, por algumas vezes afirmou que “o brasileiro não valoriza seus ídolos.”
E essa conclusão é legitma quando se coloca na balança apenas as notas vermelhas, esquecendo-se de tantos “dez” tirados ao longo dessa trajetória.
Cafu, recordista vestindo a Amarelinha e jogando finais de Copas, é exemplo perfeito de tal problemática nacional, quase sempre lembrado como o lateral que nunca soube cruzar.
Lembro-me que, na época, fui contra esse tipo de declaração do R9. Afinal, ela se referia àquele momento em que, de fato, o descompromisso com seu ofício fazia com que ele merecesse ovadas.
O tamanho da barriga, fazia com que se mensurasse destino diferente para tais ovos.
É muito (senão totalmente) por isso que, nesta tarde, ele deu adeus a bola cuja sua companhia foi por um par de décadas:
Por não caber (com trocadilho) no time corintiano. Mais: por não caber no futebol.
Triste?
Sim, ainda mais para um incorrigível saudosista como eu.
A Geração Ronaldo hoje está de luto.
A última lembrança sim, poderia ser melhor.
Mas dos “se” a vida não vive.
Fosse ele real, Ronaldo poderia nem estar, hoje, anunciando sua aposentadoria.
Caso, é claro, o “se” de um dos convidados (e decerto, de todos os componentes do ‘Bando de Loucos’) do buffet no qual trabalho fosse colocado em prática e o Timão entrado em campo, nas duas partidas frente o Tolima, com o mesmo brio com que jogou pouco antes, contra o Ituano, onde o agora execrado Roberto Carlos até gol olímpico fez.
“Se o chute de Ronaldo tivesse entrado, no primeiro jogo, lá na Colômbia, a história seria outra…”
No entanto, o “se” não joga e esses são mais alguns lances para adentrarem à esquina do universo das coisas que poderiam ter sido e não foram, de Marcos Caetano.
O que aconteceu, longe dessa transversal do tempo que põem em cheque às questões metafísicas, é que Ronaldo, a pouco, ganhou – como muitos – um “ex” ao lado do seu inseparável prefixo de jogador.
Como escreveu Juca Kfouri, o craque é merecedor de uma partida de despedida, como forma de desvincular sua gloriosa carreira do fracasso recente.
Merecia uma despedida da Seleção que não teve.
Merecia mais: ter sido ainda melhor do que foi. Mas as contusões e o problema hormonal do qual revelou sofrer, não permitiram.
Mesmo assim, Ronaldo alcançou o patamar de Pelé, Maradona, Garrincha, Puskas, Zico…
Todavia, esses eu não vi.
Já Ronaldo, eu vi.
Por isso, só tenho a agradecer.
Aos deuses da bola por me conceder tamanha graça.
E a ele, enquanto objeto dela.