As panelas do Morumbi
No último domingo, as panelas soaram no bairro Morumbi. Muitos daqueles que nelas batiam, sequer sabiam onde elas ficavam, acostumados que estavam a vê-las sendo usadas por suas “empregadas”.
O Judas da vez era Dilma Rousseff, alvo de ofensas machistas enquanto anunciava Lei de Criminalização do Feminicídio em pleno Dia da Mulher. Mas não era apenas isso que a presidenta anunciava. Escondido atrás de eufemismos como “aperto de cintos” e “sacrifício necessário”, vinha também o esperado ajuste fiscal. Ou seja: o programa macroeconômico de Aécio Neves, tão combatido pelo PT durante as eleições.
Mas se o fato de eleitores do PSDB reclamarem de um programa que eles mesmos endossaram há alguns meses é – por si só – objeto de estudo, este post não é sobre isso. Afinal, não muito longe dali, outras panelas (metafóricas) soavam no Morumbi. Aqui, não me refiro ao bairro e sim ao estádio.
O São Paulo acabara de tomar mais um coro do Corinthians. A torcida tricolor, revoltada, atacava os corintianos; Souza, revoltado, atacava a torcida; e Aidar, aparentemente não tão emocionado, atacava a falta de público.
No meio de tudo isso, um personagem passava incólume como sempre: Muricy Ramalho.
Convertido em vaca sagrada são-paulina após salvar o barco do naufrágio em 2013, o técnico seguia calmamente à sua entrevista coletiva, na qual repetiria seu velho corolário: “aqui é trabalho”, “jogamos melhor”, “perdemos por causa do Cássio”, blá blá blá.
Mais uma vez, ninguém comentava o óbvio. Ninguém se lembrava que o São Paulo teve mais posse de bola e não conseguiu ser superior em nenhum momento, exceto quanto teve um jogador a mais por 30 minutos e apresentou, como única jogada de ataque – tcharam! – o cruzamento para a área.
Nós, do Futeboteco, cansamos de escrever aqui no blog sobre o repertório monolítico do treinador são-paulino, que só sabe jogar de um jeito desde 2008. Eu, confesso, cheguei até a mudar de ideia depois da boa campanha do ano passado – sobretudo depois da vitória sobre o Cruzeiro. Mas já desisti.
Muricy teve uma pré-temporada inteira. Teve carta branca para montar um time à sua imagem e semelhança (irresponsabilidade fiscal da diretoria tricolor à parte). E o time piorou.
Um exemplo: o técnico pediu um atacante rápido. Aidar trouxe dois: Centurión e Cafu. No primeiro jogo realmente importante do ano, Muricy usou dois centroavantes. Depois, como era de se esperar, recusou-se a admitir o erro, contando com a conivência da imprensa habituada a suas patadas.
No jogo seguinte, após trucidar em casa o fraco Danúbio, fez questão de bater no peito após um gol sair de jogadores que haviam sido postos em campo no segundo tempo. Todos adoraram: “perdemos o jogo mais importante, mas aqui é trabalho!”, pensaram.
Aí veio novamente o Corinthians e o São Paulo exibiu um esquema defensivo medíocre que, aliado a uma marcação inoperante, permitiu a Tite deitar e rolar. Curiosamente, o melhor (ou único) são-paulino foi o mesmo Centurión que Muricy não queria colocar em campo, alegando falta de adaptação ao Brasil.
Dessa vez, não teve ninguém batendo no peito. Mas também não teve ninguém assumindo a culpa.
Do lado alvi-negro, foi diferente. Tite – o melhor técnico em atividade no Brasil junto com Marcelo Oliveira – desfilava sua boa e velha humildade, depois de já ter introduzido no nosso vocabulário os conceitos de confiabilidade, treinabilidade, competibilidade e tantos outros.
Me pergunto se não houve no mundo ao menos um são-paulino que invejou o comandante mosqueteiro. Se houve, ainda há esperança (nem que seja pra Muricy repensar seu estilo). Agora, se não houve, a torcida tricolor está cada vez mais parecida com os que acham que o impeachment de Dilma trará algo melhor no lugar. Muricy, por sua vez, estará cada vez mais parecido com o PSDB, que faz tudo errado sem que ninguém reclame.
Enquanto isso, Aidar continua atacando o baixo público, como se sua arquibancada não custasse 60 reais. E como sempre a indignação das panelas do Morumbi segue seletiva, sempre poupando os verdadeiros culpados.