Antídoto para 7 a 1s
Após a vitória do Atlético Mineiro sobre o Cruzeiro por 1 a 0, na última quarta-feira, naquele que precisamente o jornal O Estado de São Paulo intitulou como “jogo do ano“, Levir Culpi deu uma aula aos jornalistas brasileiros e aos atuais gestores do nosso futebol. A entrevista coletiva concedida pelo treinador foi pautada, em suma, por um único tema: a organização do futebol brasileiro – mais precisamente, a falta dela.
Poucos minutos depois de levantar o troféu da Copa do Brasil, Levir, bastante sincero e transbordando alegria por viver o melhor momento da carreira – curiosamente e maravilhosamente quando ela parecia estar para acabar -, a ponto de citar no bate-papo o cantor Luan Santana e os mineiros do Skank, afirmou que, caso não tivesse conquistado o título, muito provavelmente estaria fora dos planos da diretoria. E fez questão de elencar uma série de problemas no planejamento do Galo para a próxima temporada, que “precisam ser resolvidos imediatamente”, segundo ele, e são recorrentes em boa parte dos clubes brasileiros.
“Nós já estamos atrasados. Já deveria estar preparada a pré-temporada. Mas aqui no Brasil as coisas funcionam dessa maneira [desorganizadas], é tudo de acordo com o último jogo. Se nós perdêssemos a partida de hoje pro Cruzeiro, por exemplo, era muito provável que eu não ficasse [no clube]. Mas eu acho que o Atlético tem de resolver o quanto antes [o próprio futuro], porque o Atlético precisa organizar a pré-temporada. Precisa saber quem vai ficar, quem vai sair, e tomar providencias bem antes. O Cruzeiro está passando pra outra temporada com a mesma formação, quase. Então, a gente vai levar porrada de novo se alguém não acordar. O caminho é esse: organizar para depois conquistar”.
Além de ressaltar as dificuldades da conquista, que passou por vitórias contra os tradicionais Palmeiras, Flamengo e Cruzeiro, o técnico do Atlético Mineiro também lembrou que não apenas o futebol nacional está desatualizado, mas muitos jornalistas brasileiros, ainda abraçados a máximas ultrapassadas, a pouca apuração e ao velho senso comum. Como exemplo, usou a análise equivocada de parte da imprensa que desconfiava do nome dele, esquecido por conta dos seis anos seguidos em que passou no Japão, e dizia que Levir foi para o Oriente ensinar os japoneses, o que ele desmente.
“Eu não fui ensinar ninguém, não. Pelo contrário, eu fui para o Japão para aprender”.
E o treinador, que aboliu no Galo uma das práticas no esporte mais ultrapassadas, as famosas concentrações, ainda deu outro tapa na cara do desorganizado futebol brasileiro.
“O problema maior do futebol brasileiro é o que envolve o futebol. Tudo que envolve o futebol não é bom. E o futebol também não é bom [risos]. O futebol é organizado? Não é. E tudo que envolve o futebol também não tem organização. Sabe, o problema todo é educacional. A gente tem um país mal-educado. E o que se colhe com um país mal-educado? Maus resultados, péssimos negócios. Eu acho que o problema maior é esse. Nós não vamos resolver esse problema imediatamente. Não é só adotar o modelo alemão. O modelo alemão? Lá funciona tudo! A arbitragem é boa, os campos são bons, a concentração é legal, ninguém paga atrasado, se não pagar, o clube não disputa [competições]. Tudo em volta do futebol funciona muito bem. E aqui poucas coisas do futebol funcionam bem, pra não dizer nada. Eu peço até desculpas por ser meio repetitivo, mas eu não vejo outra solução para o Brasil que não seja educação”.
Depois de uma entrevista tão lúcida, não seria preciso dizer que o time comandado por Levir Culpi pratica o futebol mais moderno e bonito do Brasil. Ironicamente – e maravilhosamente -, junto com seu rival local – e, muitas vezes, infelizmente, mortal – Cruzeiro, do competentíssimo Marcelo Oliveira, já bicampeão brasileiro em apenas sete anos treinando equipes profissionais.
E os dois clubes estavam juntos nas últimas duas quartas-feiras, se enfrentando pela primeira vez em uma decisão de torneio nacional para ver quem era o melhor. Na verdade, para um ter motivo de tirar sarro do outro, porque os dois sabem que são os melhores do País.
Há dois anos.
Não poderia, portanto, haver final da Copa do Brasil mais justa do que essa, ainda mais quando a competição voltou a ser tão empolgante, com o retorno dos participantes da Libertadores. Pois quem levou o caneco foi o Galo, mas a final entre os rivais mineiros foi uma vitória do futebol brasileiro. Prova cabal de que o mínimo de organização e profissionalismo rende bons frutos em qualquer setor – uma decisão entre os outros dois semifinalistas, Santos e Flamengo, por exemplo, estaria longe de ser justa, ainda que o clássico seja igualmente repleto de grandes histórias, pois premiaria equipes, hoje, inferiores tecnicamente e que se organizaram muito menos, situação que torneios de mata-mata proporcionam com certa frequência.
O que se viu no Mineirão após o apito final de Luiz Flávio de Oliveira foi uma cena elementar para o atual momento do futebol brasileiro – talvez, das mais marcantes nos últimos tempos.
Também pelo fato de os cruzeirenses presentes no estádio terem aplaudido seus jogadores, tetracampeões brasileiros no domingo anterior, algo extremamente significativo, pois quem conhece a torcida da Raposa, o que não é meu caso mas do amigo cruzeirense Gustavo Aleixo, sabe do orgulho que impera nela e dos históricos problemas que existem entre as organizadas do time.
Também pelo fato de o lindo gesto ter sido prontamente recebido pelos jogadores (e aqui destaco a postura do atacante Willian, empolgadíssimo, hasteando uma bandeira do clube), que comemoraram com seus torcedores, esmagadora maioria no estádio, enquanto seus rivais, do outro lado, celebravam o título com os poucos atleticanos que ali estavam, após uma disputa por ingressos que se arrastou nos dias que antecederam o clássico e esvaziou uma festa que era para ser ainda mais bonita. Tudo isso dentro do contexto que se conhece, nem sempre tolerante à rivalidade sadia e necessária ao esporte (há cinco anos os dois adversários medem forças diante de torcidas únicas; o rompimento do Cruzeiro com as organizadas no final de 2012 se deu após Marcelo Oliveira e o presidente Gilvan Tavares serem ameaçados de morte por alguns torcedores, por conta da contratação do técnico, que foi ídolo do Galo quando era jogador; durante a Copa deste ano, a Polícia Militar de Minas Gerais alegou que teria facilidade em lidar com barrabravas devido à experiência com as torcidas uniformizadas de Cruzeiro e Atlético).
Também pelo fato de aquele ser justamente o palco onde a seleção brasileira, há alguns meses, numa Copa do Mundo disputada em casa, sofreu a mais vergonhosa derrota de sua história e tirou a venda dos olhos da imprensa local, que passou a enxergar os problemas antigos apontados por Levi Culpi na sala de imprensa do Mineirão.
Mas, principalmente, por todos os motivos citados acima.
Afinal, são eles que fazem com que, pelo menos pra mim, o ano do 7 a 1 tenha terminado com um sentimento de esperança proporcional à goleada que a Alemanha aplicou no Brasil na semifinal do Mundial.
Por isso, a imagem que ilustra este post e encerrou a histórica final da Copa do Brasil desta temporada, definindo o último título disputado nela, deve ser o caminho para a bola jogada por aqui voltar aos seus melhores momentos.
E, claro, a dica para evitar os próximos 7 a 1.
Uma pena
Sobre a quarta-feira passada, lamento apenas a briga que houve entre Leandro Donizete e Dagoberto, que necessitou de intervenção da polícia e terminou com expulsão do volante alvinegro, e o triste escorregão que fez o ótimo atacante – e ser humano – Alan Kardec perder o primeiro pênalti do São Paulo contra o Nacional de Medelín, o que só foi comemorado pelos palmeirenses com “espírito de porco”, como bem observou um dos colegas de trabalho mais sensatos que tive até hoje, o palestrino Haisem Abaki.
Ah, claro: a se lamentar, também, a proeminente realidade de que Dunga, Marin e Del Nero jamais vão ler este post.