Não temos mais craques
A duas semanas da Copa do Mundo, me deparei com um aplicativo de facebook que me emocionou.
Em uma telinha, surgia um campo de futebol. Ao lado, um apanhado de craques legendários pra todas as posições. Eu escolhia meus onze favoritos e montava minha seleção.
Acho que não há fã de futebol que não monte escalações imaginárias. Volta e meia – seja no metrô, seja no meio de uma aula – me pego escalando o time do São Paulo de todos os tempos.
E esse era o meu sonho de infância. Todos aqueles gênios do futebol, que encheram meus olhos desde criancinha, estavam ali, à minha disposição.
Lembrei, então, do matador Batistuta tendo seus gols narrados por Théo Werneck: “Tá tirando uma! Tá tirando o dia! Batistuta é só alegria!”. Lembrei do holandês voador Dennis Bergkamp, autor de um dos tentos mais lindos que eu já vi ao vivo, contra o Newcastle. Lembrei do mestre Zidane e sua paulada de fora da área na final da Champions League.
Mas lembrei também do Animal Edmundo, cujo gol contra o Manchester no mundial de 2000 em nada deixa a desejar ao de Bergkamp. Lembrei também de Edilson Capetinha que passou uma sainha em Karembeu naquele mesmo torneio. Lembrei de Paulo Nunes, comemorando seus gols com máscaras memoráveis. Lembrei de Chiqui Arce e suas bolas paradas altamente venenosas.
Resumindo: muitos dos jogadores que me vieram à mente não eram necessariamente gênios do futebol. Mas todos eles, em suas idiossincrasias, tinham características brilhantes. Todos protagonizaram momentos inesquecíveis. E sobretudo: muitos deles jogavam no Brasil.
Aí é que entra a parte triste: não quero ser saudosista, mas aqueles personagens já não existem mais. Cristiano Ronaldo é um gênio. Messi e Iniesta idem. Mas eles jogam na Europa. O que temos no Brasil?
Neymar nos encantou, mas rapidamente caiu fora pra se tornar um fenômeno de marketing. Hoje, ao comemorar seus gols, levanta a camisa pra mostrar a marca da cueca da qual faz propaganda.
Ganso também surgiu como uma promessa. No entanto, honestamente, sua atual situação me constrange. A carência de ídolos em nossos gramados é tão grande que, se ele dá duas assistências em um jogo, a imprensa já se ouriça e proclama a volta de um craque – ou seja: a volta dos que não foram. Alguns dias depois, a euforia dá lugar à rotina. Algum técnico põe um carrapato no encalço do meia, e os jornalistas tornam a dizer que ele não é nada demais.
Veja: não quero parecer apocalíptico. Sou fã de D’Alessandro e Éverton Ribeiro. Também acho que Walter e Loco Abreu entram fácil pro álbum de figuraças do Brasileirão. Mas qual foi nosso último Romário? Qual foi nosso último Edmundo?
Sejamos sinceros: não temos mais esses craques. O processo de transformação do futebol em fenômeno midiático estratosfericamente rentável (processo, diga-se, que vem rolando desde quando me entendo por são-paulino) barra a espontaneidade dos jogadores. É um clichê, mas um clichê válido: os atletas passam a jogar por propaganda – não por alegria.
Além disso, cada vez mais o público do futebol é composto pelo jogador de vídeogueime que torce pro Manchester City. Enquanto isso, o geraldino fantasiado – esse é figura cada vez mais rara nos estádios.
Esse é um processo que, como todos os outros processos, acompanha a lógica da nossa sociedade. Afinal, as manifestações de Junho já apontavam em 2013 o surgimento de um novo tipo social: o coxinha – aquele que pensa que a solução para o Brasil é colocar o Joaquim Barbosa na presidência.
No futebol, a coxinhização é evidente, e vem por decreto estatal. Para adequar nossas arenas ao padrão FIFA, subimos o preço dos ingressos, e obrigamos o torcedor a ver o jogo sentado.
Do lado da imprensa, nossos jornalistas são cada vez mais Caios Ribeiros (com todo o respeito). Infelizmente, não temos mais um Osmar Santos.
Isso elimina cada vez mais o elemento folclórico do nosso esporte. Devagarinho, nossos ídolos se tornam atletas de alto rendimento e alto desempenho tático. Ninguém pode mais perder. A retranca e a vitória valem mais do que um golaço para a posteridade.
Dessa forma, junto com o torcedor pobre, os Edmundos, os Edilsons e os Paulos Nunes vão sendo limpados dos gramados brasileiros para dar lugar ao Modern Footbal.
Não acho que esse processo é irreversível, nem pararei de gostar de futebol se algum dia ele se consumar. Mas precisamos nos perguntar: esse é o esporte que queremos?
Eu aprendi a torcer pelo meu time comendo pernil na porta do estádio e vendo o jogo em pé. Aprendi a imitar meus ídolos quando comemorava um gol nas peladas. Gostaria que meu filho conhecesse essa cultura que eu tanto amo. Por isso tudo, espero que as manifestações durante a Copa combatam também a coxinhização da minha paixão.