O dia em que as histórias viraram realidade
Pertencente a uma família que leva o futebol como uma de suas principais paixões, eu cresci ouvindo muitas histórias sobre o tema. Meu pai e avô foram aqueles que presenciaram as mais emocionantes. Histórias de partidas memoráveis, jogadores inigualáveis, times espetaculares, seleções insuperáveis e por aí vai…
Em meio a todos esses grandes e maravilhosos contos que ouvi, havia sempre um detalhe que me chamava muito a atenção. Mas para explicar isso, é preciso entender algumas coisas, começando pela minha idade. Eu tenho 25 anos e, portanto, comecei a frequentar os estádios a partir da década de 1990.
1995 foi o ano em que eu comecei a me interessar de verdade por futebol, justamente após assistir uma das viradas mais incríveis da história do Campeonato Brasileiro, quando o Santos de Giovanni “Messias” bateu o Fluminense de Renato Gaúcho por 5 a 2 na semifinal da competição daquele ano no Pacaembu. Era a minha primeira experiência num estádio de futebol.
Desde então, não havia finais de semana que eu não enchesse o saco do meu pai para que ele me levasse aos jogos. No entanto, as minhas insistências só levavam a longas e incessantes discussões. O grande argumento do meu pai era a violência. Quanto mais notícias de confrontos entre torcedores, mais longe eu ficava de fazer o que eu mais gostava: assistir de perto ao meu time de coração.
Os anos foram se passando e, conforme eu fui crescendo e aprendendo a me cuidar, o cenário foi mudando. Hoje, frequento os estádios com certa assiduidade. A partir daí, passei a presenciar os tais confrontos que eu via na TV, fosse entre torcidas adversárias, entre torcedores e policiais e até mesmo entre torcedores do mesmo time. Todo cuidado sempre foi pouco para mim.
E é aí que entra o grande detalhe das histórias de meu pai e avô.
Eles sempre repetiam e repetem a plenos pulmões do quão saudosa era aquela época em que frequentavam os estádios. Eles sempre diziam do ambiente amistoso entre as torcidas e, muitas vezes, relembram de terem presenciado elas misturadas nas arquibancadas. Segundo eles, confrontos eram coisas esporádicas, muitas vezes provocadas por apenas um indivíduo que, naquela tarde ou noite, passava do ponto na bebida.
Levavam-se bandeirões de pau, fogos de artifício, bebidas alcoólicas. Não era o que você tinha em mãos, mas o tamanho de sua consciência.
Bem, confesso que tal cenário era até certo ponto inimaginável para mim, dada todas as experiências que tive nos arredores dos estádios de futebol até hoje. Ou melhor, até o último domingo.
Mesmo com a chuva, eu resolvi assistir ao clássico nacional entre Santos e Flamengo, que aconteceu no estádio Cícero Pompeu de Toledo, vulgo Morumbi, na tarde de ontem.
Para pegar uma via de acesso mais favorável, eu comprei ingressos para as arquibancadas vermelhas, que ficam de frente à avenida Giovanni Gronchi. Voltei para casa com os ingressos em mãos, almocei, me uniformizei e voltei ao Morumbi com meu pai.
Ao descermos do ônibus, nos deparamos com a torcida Jovem Fla. De repente, meu pai já me olhou com um semblante preocupado e aceleramos o passo. Só que ao andarmos até o portão 15, fomos observando diversos flamenguistas e santistas juntos, conversando, comendo, bebendo e rindo. Paramos na mesma hora, compramos algumas cervejas e fomos desfrutar do ambiente. Foram inúmeras histórias contadas e brincadeiras feitas até a hora da partida começar.
Após o jogo, que aliás, não merece que nenhuma linha sobre ele seja escrita em lugar algum, novamente as torcidas voltaram a se encontrar. Ainda faltava aquele sanduíche de pernil.
Voltando para casa, instantaneamente comecei a relembrar as histórias contadas pelos meus familiares e pude, então, entender o quão mais delicioso seriam os ambientes de estádios se fosse sempre assim.