Vai ter Copa?
Nessa quarta-feira, a cidade de São Paulo amanheceu parada. Em greve por melhores condições de trabalho, motoristas e cobradores de ônibus simplesmente cruzaram os braços. A metrópole que já é um caos, onde o transporte público já é escasso e caro, parou definitivamente de funcionar.
Antes disso, a Rede Municipal de Ensino já não funcionava. Os professores da cidade estavam em greve desde o início da semana, contra as propostas de reajuste salarial e plano de carreira oferecidas pela Prefeitura.
Nas universidades paulistas a situação não era diferente. Docentes, estudantes e funcionários de UNESP e UNICAMP já haviam paralisado as atividades e, à partir de terça, a USP também para.
Nas ruas, o conflito não é menor. Ontem, o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) colocou milhares de pessoas nas ruas, exigindo a homologação das moradias ocupadas pelo movimento há tempos. Manifestações já se tornaram rotina.
Agora, você pode estar se perguntando: “bom, o que isso tem a ver com futebol?”. A resposta é: muita coisa. Daqui a vinte dias, a bola rola no Itaquerão para Brasil e Croácia – a abertura da Copa do Mundo de 2014. Quando nos damos conta que essa é a realidade atual, é inevitável não pensarmos: “imagina na Copa…”.
Afinal, a Folha de São Paulo mostrou ontem, em sua matéria de capa, que mais de 40% dos paulistanos são contra o Mundial. Até mesmo as habituais bandeirinhas que surgem de 4 em 4 anos já não são mais tão frequentes.
Nos perguntamos: vai ou não ter Copa?
Este texto é uma tentativa de responder a essa pergunta. Antes, no entanto, cabem algumas considerações.
Em primeiro lugar, não sou daqueles que separam torcedores de manifestantes. Não acredito que gostar de futebol te torne automaticamente um alienado político.
Em segundo lugar, não penso que o cancelamento da Copa seja possível ou sequer desejável. A França, em 98, viveu algumas das maiores greves operárias de sua História desde 68 e nem por isso Zidane deixou de levantar a taça. Processo similar aconteceu em Pequim e Barcelona durante suas respectivas Olimpíadas, sem falar na própria África do Sul em 2010.
Ademais, desistir do Mundial a essa altura representaria uma onda de desemprego e evasão de investimento cujo ônus seria muito maior do que qualquer demonstração de força.
No entanto, também não aceito a tese de que “os manifestantes deviam ter protestado antes, quando o Brasil apresentou sua candidatura a sede”.
Ora bolas, não há hora pra se manifestar! O povo brasileiro está cansado. Ônibus caro, salário baixo, inflação e falta de moradia são problemas com os quais nosso país convive desde tempos imemoriáveis. Além disso, não é só contra a Copa, assim como não era só por 20 centavos.
O Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-econômicos) prevê que o salário mínimo que um trabalhador deve receber para existir com qualidade de vida razoavelmente aceitável é de 3019 R$. Nosso salário mínimo, no entanto, é de 724 R$ – 2295 reais a menos do que o mínimo previsto!
Se isso não é motivo pra se indignar, não sei o que é. Mas ainda tem mais: um dos transportes públicos mais caros da América, uma das polícias mais assassinas do mundo e um déficit habitacional desumano, sem falar na desigualdade social e agrária absurdas.
Por isso, razões não faltam. Ainda mais em se tratando de uma nação que torrará milhões dos cofres públicos em um campeonato de futebol.
A questão, portanto, é que vai ter Copa. Mas também vai ter greve e manifestação. E muita.
Isso é fazer política – ao contrário do que pregam Aécio Neves e Eduardo Campos, que buscam se aproveitar da onda de indignação para desgastar o Governo Dilma , como se PSDB e PSB tivessem planos muito diferentes para o Brasil.
Política não é boicotar a Copa. Ações individuais nunca mudaram nada na História – diferentemente das ações coletivas.
Por isso, aguardo ansiosamente o início de Brasil e Croácia para saciar minha fome de futebol. Ao mesmo tempo, aguardo as manifestações, para que possamos tentar mudar alguma coisa nesse país, assim como foi conseguido em Junho de 2013, com a queda do aumento das tarifas de ônibus.
Em Junho de 2014, estejamos com o álbum de figurinhas numa mão e a garrafa de vinagre na outra. Quem sabe assim, algum dia, realizaremos uma Copa que nos deixe com a consciência limpa.