Clássico global, futebol nacional na UTI e uma discussão irrelevante
O clima mudou em São Paulo. O domingo cinzento de ontem, como há muito não se via, fez este que vos escreve dormir e quase perder a rodada futebolística, após um sábado matreiro e cheio de ginga nas baladas desta Paulicéia desvairada.
Acordei com o grito seco de gol, proferido pelo meu pai, palmeirense verde, feliz no momento em que Alan Kardec diminuia a diferença para 2 a 1 contra o Peixe, que mais tarde venceria o embate e se tornaria o melhor time da primeira fase do insosso Paulistão. Depois do apito final em Santos, esfreguei os olhos, dei um gole d’água, recoloquei o copo na cabeceira ao lado da cama e sintonizei na ESPN Brasil, que transmitia o superclássico da Espanha. Estava triste, já que havia perdido o jogo do meu time.
O duelo entre Messi e Cristiano Ronaldo estava no segundo tempo. O Real vencia por 3 a 2. Enquanto isso, no WhatsApp, o grupo da galera do futebol de sábado narrava quase tudo que acontecia no Bernabéu. Notei que quase ninguém falou sobre o clássico na Vila. Apenas um ou outro escreveu uma zoeira ironizando a derrota alviverde. No mais, a pauta era o que rolava na Espanha.
Deixei no canal e fui caçar algo para comer lá na cozinha. Quando retornei ao meu quarto, Messi estava preparado para bater um pênalti cavado pelo apagado Neymar e que culminou na expulsão de Sérgio Ramos. Com o prato na mão, vi o argentino empatar a peleja.
Imediatamente, sons de novas mensagens saíam do meu celular. E, ao longo da partida, se tornaram cada vez mais constantes. Como disse acima, era o pessoal empolgado com o jogo, com o clássico, e com o argentino, autor de 3 gols na vitória dos catalães por 4 a 3.
No Facebook, os quase 200 comentários em um grupo deixava claro outra máxima que trava discussões irrelevantes sobre as duas equipes: quem é melhor, Messi ou Cristiano Ronaldo?
Chega a ser impressionante as comparações entre eles. Os fãs histericos são capazes de discutir por qualquer motivo. Foi só um comentar que “La Pulga” decidiu a cancha que os adeptos do português surgiram como o mais feroz dos animais para defendê-lo. O amigo Renan me disse que, no Twitter, a coisa descambou geral. Sobrou a ele distribuir “unfollows” aos mais exaltados. Assim como o mesmo citou, a cada dia que passa essa briga me causa mais sono.
O enredo de cinema que cerca os globalizados gigantes espanhóis me fez repensar no quão chato está o futebol praticado atualmente no Brasil. Sou fã do esporte no Velho Continente. Assumo a simpatia pelo Arsenal, algo normal comparado à alta qualidade do que vemos por lá, mas jamais trocaria assistir ao meu time do coração por uma partida europeia, por mais importante que ela seja.
Segundo uma pesquisa realizada no ano passado pela consultoria Stochos, o Barcelona passou a ter 27 milhões de fãs brasileiros após a chegada de Neymar. O Real vem logo atrás, com 17 milhões. O PSG, novo rico da Europa, já aparece no ranking.
O futebol aqui ainda pode atrair a atenção do público, claro. O que falta é organização. Bom trato. Boa vontade. Como bem escreveu Juca Kfouri, em sua coluna de hoje na Folha de São Paulo, falta “paixão bem administrada”.
Afinal, caminhamos para uma era de torcedores coxinhas e altamente internacionalizados, que vibram via televisão. As explicações são muitas e até nos ajudam a entender o “fenômeno”. Mas nunca, jamais, aceita-lo.
Futebol não é algo raso. Também não é só tática ou dado técnico. É algo que transcende o mérito desportivo. E a relação entre clube e torcedor é mais que um simples ato de torcer: é uma questão de estilo de vida. Você vive para respirar o SEU clube diariamente. ELE afeta o seu dia, seja para o bem ou para o mal. Até porque, quando se perde um clássico, quem você precisará enfrentar são os SEUS rivais daqui, que vivem essa rivalidade.
Que vivem o futebol.
Eu sou Palmeiras na França, Inglaterra, Espanha ou China. Em qualquer que seja o lugar, um pedaço do MEU clube eu faço questão de levar.