Por mais pirotecnias de gols
Hoje, 6 de março de 2014, completam-se exatos 56 anos da maior partida de futebol da história deste país e, possivelmente, deste mundo – do meu ponto de vista e de gente que, ao contrário de mim, esteve no Pacaembu naquela noite. O embate serviu, inclusive, como inspiração para que eu e outro colunista deste espaço, Diego Carvalho, escrevêssemos um livrorreportagem. Trata-se de Santos 7, Palmeiras 6.
O prélio era válido pela terceira rodada do extinto Torneio Rio-São Paulo e, antes de a bola rolar, não havia nada de especial, exceto o fato de ser um clássico. Os treinadores das duas equipes armavam esquemas no 3-3-4 (início do “futebol total”, época em que tínhamos gols em larga escala) e a única – e considerável – diferença era a qualidade dos jogadores com os quais contavam.
Com Zito, Jair, Dorval, Pagão, Pelé e Pepe, o Santos, dirigido por Lula, era uma máquina e estava em vias de se tornar o time imbatível que abrilhantou as décadas de 50 e 60. O Palmeiras, por sua vez, tinha como único destaque o artilheiro Mazzola. Já treinado por Osvaldo Brandão, aquele que regeria a primeira Academia, em 1959, o Palmeiras vivia um processo de reformulação e amargava um jejum de títulos que durava quase oito anos.
O primeiro tempo foi movimentadíssimo e, logo aos 18 minutos, contrariando todas as expectativas, Nardo abre a contagem para o Palmeiras. Em seguida, aos 21, Pelé, ainda com 17 anos, empata e Pagão vira, aos 25. No minuto seguinte, Nardo deixa tudo igual. Aos 32, Dorval devolve a vantagem ao Peixe e, depois, Pepe aumenta: 4 x 2. A primeira etapa estava prestes a acabar, mas Pagão ainda teve tempo de assinar o segundo dele e transformar um duelo até então parelho em goleada santista.
Intervalo
Amigo leitor, me responda sinceramente: quantas partidas com sete gols você viu na sua vida? E com todos eles no primeiro tempo? A segunda questão, confesso, é inédita pra mim. No alto dos meus 21 anos – sim, eu sei, é pouco, mas está valendo -, noto uma regressão no futebol, não só nacional, mas também mundial. Muito disso se deve ao tal “futebol moderno”.
Claro, o resultado sempre foi importante – e não precisa deixar de ser -, mas e o espetáculo? O futebol existe para se fazer gols e não para evitá-los, como acontece atualmente. Ontem, mesmo, pelo Paulistinha, o Corinthians, sem dificuldades, abriu 3 a 0 e depois sossegou. Cazzo, vai pra cima, faz seis! Por que não?
Os principais exemplos dessa tendência atual são Barcelona e Seleção Espanhola. Ambos, a meu ver, praticam outra modalidade. Chata, por sinal. Não se importam em golear, exceto quando a facilidade é extremada pelo adversário.
“Toca, toca, toca, toca, toca, toca (728x)… Gol. 1 x 0. Ótimo, vamos segurar a bola e esperar uma oportunidade. Se der, fazemos o segundo e matamos o jogo”.
Essa é a filosofia. Elogiamos o Audax paulista por imitar esse estilo, mas, mesmo assim, o chamamos de “kamikaze” por ser um clube pequeno. E tratamos com indiferença – ou pouca cobertura – um jogo que terminou 5 x 5 (!), como foi São Bernardo e Rio Claro, ontem, no estádio 1º de Maio. Para Diego, provavelmente uma linda homenagem que os caprichosos deuses da bola ofertaram ao duelo que a Gazeta Esportiva intitulou como “Espetáculo Pirotécnico de gols”.
Para parte da imprensa, os sistemas ofensivos que marcam quatro ou cinco por partida merecem críticas – ao invés de elogios – porque, muitas vezes, abrem espaço na defesa, o que faz com que se tome uma quantidade equivalente de tentos. Será que, em 1958, as análises também eram essas? A maioria dos jornais que cobriram os 7 x 6 prova que sim…
Segundo tempo
O Palmeiras volta sem o goleiro titular. Edgar, que havia falhado em três gols, pede para sair. O inexperiente Vitor entra em seu lugar. A equipe de Pelé já contava com a vitória e o tesoureiro separava o “bicho”. Até os 15 minutos iniciais da chamada etapa complementar, parecia que seria assim, mesmo. Foi quando entrou o uruguaio Caraballo, atacante forte e veloz. No seu primeiro lance, invade a área e só é parado com falta do capitão santista, Hélvio. O juiz húngaro João Etzel Filho marca pênalti, que Paulinho cobra e converte. 5 x 3.
A torcida alviverde, maioria no Pacaembu, se inflama e os jogadores, também. Dois minutos mais tarde, Mazzola faz o primeiro dele e o quarto do Palmeiras, que encosta no placar. Aos 27, o que parecia impossível acontece. Após cobrança de escanteio, camisa 9 alviverde, mais sozinho que Tom Hanks em Náufrago, empata. 5 x 5. CINCO A CINCO!
Mas tinha mais. E tão surreal quanto tudo que já havia ocorrido. O relógio corre sete minutos e o desconhecido Urías marca o sexto gol palestrino. Virada espetacular! Jogo resolvido? Não naquela quinta-feira. Embora seja impossível precisar, é pouco provável que algo parecido se repita. Descontente, Pepe carrega o Alvinegro da Vila Belmiro e, de CABEÇA (!!!), volta a igualar o confronto, faltando sete minutos para o final.
O empate era mais do que justo. Porém, não há justiça no futebol. Vitor, que não vestiria mais a camisa de goleiros do time verde, aceita chute de Pepe, três minutos depois. Final: 7 x 6!
Uma noite de espetáculo futebolístico. De contagem estrambótica. De pirotecnia e orgia de gols. Viva o 3-3-4! Morte ao “tic-tac” moderno! Afinal, eu quero morrer do coração por causa de tantos gols, como a lenda que envolve os 7 x 6 conta que morreram até cinco no Municipal, naquele 6 de março. Como canta O Rappa, “eu quero ver gol, não precisa ser de placa, eu quero ver gol”.
Fim de jogo
Tudo bem, é ingenuidade pensar que seja tão simples assim. A questão envolve mercado, muita grana e até mesmo o emprego de várias pessoas. No entanto, Bielsa e Sampaoli alimentam meu sonho. E que dá saudades de um futebol que eu sequer presenciei, isso dá…