Como burlar as regras do jogo
Posted On 6 de julho de 2011
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0 A essência do esporte competitivo, como o nome já diz, é a competição. Times devem competir, seguindo as regras e a ética, por vitórias e títulos que lhes darão prestígio e riqueza. Qualquer outro fator que leve ao sucesso de uma equipe sem passar pelo campo de jogo é uma trapaça com o espírito do esporte.
Estádios sempre foram sonhos que, para serem concretizados, envolviam o esforço de toda a comunidade ligada ao clube. Foi assim que o valente Vasco ergueu São Januário no distante 1927 e que a Portuguesa construiu o seu Canindé. Lançavam-se campanhas “do cimento”, “do tijolo”, e assim, aos poucos, os aficionados viam surgir o resultado de seu orgulho.
A isenção de impostos, a doação de dinheiro público ao estádio corintiano é uma amoralidade que burla, flagrantemente, as regras do esporte. É uma decisão que não está embasada na justiça, no mérito esportivo e nem na democracia. É uma determinação imposta por poderes superiores que visa, claramente, beneficiar, por motivos políticos, o time tido como o mais popular de São Paulo.
Não é justa porque nenhum outro clube, antes, no Brasil, foi agraciado com tantas vantagens para construir o seu estádio. Algumas agremiações, como o São Paulo, tiveram de amargar longos anos de derrotas a fim de economizar dinheiro para erguer o seu. Outras, mesmo também muito populares, jamais receberam esse dinheirão do governo para ter uma casa maior.
No caso do São Paulo, que também não é o ideal, pois tudo indica que o clube recebeu a doação do terreno do governo do Estado, ao menos o tricolor teve de passar 13 longos anos dirigindo todos os esforços para a construção do estádio, período em que se tornou um saco de pancadas dos rivais. Nem esse incomodo terá o alvinegro da capital, que em dois anos receberá seu presente embalado, pronto para usar.
Não há, também, qualquer mérito esportivo nessa milionária doação (deixar de arrecadar é o mesmo que dar), pois o Corinthians está longe de ter conseguido, em seus 100 anos e meio de existência, as mesmas conquistas do que rivais até bem mais jovens. Não se está premiando, assim, o melhor, mas sim o que têm mais eleitores. Ou seja, trata-se de uma medida odiosamente populista.
Se o critério fosse cívico – o que combinaria mais com o uso do dinheiro público – e se, por exemplo, se decidisse que o clube que ganharia tanto dinheiro e facilidades para construir um estádio para a Copa, seria aquele que mais contribuiu para a projeção do futebol brasileiro no exterior, ainda haveria alguma lógica.
Mas preterir um clube e escolher outro apenas porque este é mais popular e porque, no momento, possui melhores relações com o poder político que governa o País, chega a ser indecente, pois gera uma situação que fere o espírito esportivo e provoca um rancor natural e duradouro nos demais.
Por fim, é ditatorial porque impõe um ônus enorme ao contribuinte sem consultá-lo. Mesmo que todos os corintianos da cidade aprovem a idéia – mesmo que considerem que um estádio para a Copa é mais importante do que usar esse dinheiro em saneamento básico, escolas e hospitais – eles não representam 40% dos habitantes de São Paulo. Portanto, a maioria dos paulistanos está sendo contrariada.
Mais do que contrariada, está sendo obrigado a pagar pela construção de um estádio que incrementará enormemente o patrimônio e o faturamento do rival. Sim, porque quando os outros clubes forem jogar lá, terão de pagar alugueis e taxas ao proprietário. Ou seja, santistas, palmeirenses e são-paulinos serão obrigados a bancar a maior parte da construção de um estádio que depois cobrará de seus clubes.
Quando foi conveniente, Lula e os dirigentes que hoje comandam o País demonizaram a ditadura militar. E foi fácil, porque não há mesmo quem possa concordar com um regime político que não esteja baseado na democracia. Hoje, porém, agem de forma ditatorial para atingir seus objetivos. Este caso do estádio corintiano é um exemplo. Até pressão e ameaças de agressão física têm acontecido.
Enquanto a Câmara Municipal se reunia para votar a isenção ou não de impostos para a construção do estádio, torcedores organizados cercavam o edifício público e, aos berros, ameaçavam os vereadores. Quantos votos não foram determinados por esta coação?
Não creio que uma Copa, com duração de apenas um mês, mereça tanto investimento de um país que ainda tem tanta coisa a resolver. O mundo já tem uma opinião formada do Brasil – que, felizmente, tem melhorado a cada dia –, não será uma Copa que mudará isso.
Não creio também que o Mundial de 2014 vá mudar muito o panorama do futebol brasileiro, que continua sendo um fornecedor de mão de obra barata e talentosa para a o exterior, principalmente para a Europa, sem que haja um movimento – das autoridades e da opinião pública – para mudar isso.
Por fim, já que decidiram, inexplicavelmente, não reformar o Morumbi e o Pacaembu, o que seria mais racional e viável, que fizessem um estádio público, sem privilégios a clube algum. Do jeito que o negócio está sendo encaminhado, perpetua-se uma trapaça histórica contra as regras do jogo. Isso gerará um dívida moral que, mais dia, menos dia, será cobrada.