A conquista da América na visão dos vencidos
Posted On 24 de junho de 2011
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0 Há algumas décadas atrás, o célebre historiador mexicano Miguél León Portilla, em sua luta para preservar a cultura dos povos ameríndios, escreveu um texto com esse título: “A conquista da América na visão dos vencidos”.
No memorável documento, Portilla preocupou-se em recolher relatos de Maias, Incas e Astecas, tendo como tema a cruel conquista militar imposta pelos colonizadores.
O que isso tem a ver com futebol? Pouca coisa, de fato.
O Santos conquistou a América, pela terceira vez, sem ser violento. Do contrário, jogou um futebol vistoso, que fez juz à tradição da camisa branca.
Ademais, o alvi-negro deve ser mais vítima dos europeus do que o Peñarol, já que tem Ganso fazendo aulas de italiano, e Neymar na mira do Real Madrid.
Só que uma coisa é fato: muito tem se falado a respeito dos campeões, e quase nada dos derrotados.
Claro: vivemos no Brasil. Nem poderia ser diferente. Mas é bom lembrar que o Peña não é um time qualquer. É o penta-campeão da Libertadores, que já teve a linha de frente do Maracanazzo. Será que não vale a pena pensar no que essa campanha significou para o clube?
Eu acho que vale. Veja: há alguns anos atrás, as pessoas mal lembravam que a camisa carbonera existia.
E, aqui me parece importante pontuar os fatos: o Peñarol nunca embarcou numa desgraça estilo Santa-Cruz, ao contrário do que muitos pensam. Não ganha a Libertadores faz 24 anos? É fato. Mas, nem por isso, deixou de participar do torneio (o maior período de ausência foi de 2005 a 2011).
Além disso, no período que se seguiu à última conquista, Los Mirasoles montaram timaços, dentre os quais o dos anos 90, que tinha o craque Pablo “El Profesor” Bengoechea no comando.
Mais: em nenhum momento o Nacional ameaçou a hegemonia local do Peña, fosse em termos de títulos, ou de torcida.
Portanto, se alguma coisa preocupava na situação do Peñarol, essa coisa era o fato dos times carboneros pós-anos-80 serem, via-de-regra, tecnicamente muito fracos. Coisa que, aliás, me parece ter uma explicação relativamente lógica.
A força do futebol uruguaio na segunda metade do século XX é uma daquelas coisas que ninguém consegue explicar. Basta dizer que o país inteiro, com 3,5 milhões de habitantes, tem menos gente do que a Zona Leste de São Paulo (3,6 milhões, aproximadamente).
Por que esse país pequeno e pouco populoso revelou tantos craques? Ninguém sabe. E, do mesmo modo, ninguém sabe porque os Charruas foram quarto lugar na Copa da África do Sul.
Aí, chegamos em outra questão: o chamado ressurgimento do futebol uruguaio que, a meu ver, não passa de um mito.
Em Agosto do ano passado, por exemplo, o Apertura nacional começou com semanas de atraso, já que seu início dependia do bicho da Celeste na Copa. É possível achar que um futebol em similar situação está se “reerguendo”?
Eu acho que não. Os três principais clubes do país têm times mais fracos que, por exemplo, o do Vasco. O Peñarol é um deles.
Além disso, é importante lembrar que, não fosse a limitação de Santiago Silva, atacante do Vélez, a final da Liberta seria outra.
Parece estranho? Pois observe quantos dos atuais carboneros sairão para a Europa. Martinuccio? Mier? Aguiar? Corujo? Todos jogadores medianos. Jogadores medianos que, juntos, não ganham o que ganha Neymar.
Porque raios, então, o clube chegou na final? Ora, pela mesma razão que o Uruguai na Copa: uma combinação de sorte, muita raça, e adversários que não sabem bater pênalti.
Foram campanhas louváveis? Sem dúvida. A recepção do Peña no aeroporto, que contou com milhares de torcedores, me parece emblemática nesse sentido. Mas achar que basta para o time voltar a ser o que já foi, aí é excesso de otimismo.
O Peñarol tem que aproveitar esse momento para investir em suas categorias de base e faturar mais (com produtos e sócios – não com venda de jogadores). É a hora de aproveitar o crescimento econômico do país, e do governo relativamente progressista de Pepe Mujica. O futebol uruguaio, como um todo, tem que fazer o mesmo. Do contrário, 2011 será mais uma excessão histórica.
E aí, voltamos ao início do texto, que falava de León Portilla. O historiador, em seus textos, preocupou-se em mostrar como a desunião dos índios americanos favoreceu a dominação do colonizador.
Mal comparando, não me parece erro dizer que os clubes americanos, se não se unirem, têm mais chances de serem dominados pelos europeus.
Já é chegada a hora de fortalecer a Copa Sul-Americana, a própria Libertadores, a venda de produtos no exterior. As competições locais têm estádios lamentáveis, condições pífias de segurança, projetos de faturamento medíocres e excesso de pernas-de-pau. Tudo com a conivência de Nicolás Leóz e seu séquito de cartolas corruptos.
As oportunidades para mudar estão aí: Copa América, escândalos na FIFA, Grondona ameaçado na Argentina, jogadores uruguaios dando o sangue para manter suas camisas vivas.
Por isso, que os clubes sul-americanos aproveitem esse momento, e se unam. Temos que ter paciência? Sim. Mas veja pelo lado bom: mesmo na penúria, volta e meia, um dos nossos clubes decide voltar a existir. Foi que o Peñarol fez e, só por isso, seus jogadores já podem ser considerados heróis.
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Veja, aqui, o vídeo da histórica campanha carbonera na Libertadores: