As chuteiras abertas da América Latina: Virou pó
Posted On 13 de maio de 2011
3
283 Views
0 5 de Setembro de 1993. Estádio Monumental de Nuñez.
Ao ouvir o apito do uruguaio Ernesto Filippi, mais de 60 mil “hínchas” se levantam para aplaudir a seleção vitoriosa.
Mas não é o que você está pensando, caro leitor: a “seleção vitoriosa” não era a Argentina. Na verdade, a albiceleste acabara de tomar uma surra histórica.
Os aplausos eram para a Colômbia. A Colômbia de Valderrama, Rincón e Asprilla. A melhor Colômbia de todos os tempos. E os 5 a 0 daquela tarde eram apenas o aperitivo do que a Amarilla faria na Copa América daquele ano.
Acontece que, conhecendo essa história e sabendo que, hoje, os profissionais do melhor time do país vivem em regime de escravidão, é inavitável se perguntar: “o que diabos, afinal, aconteceu com o futebol colombiano?!”.
Eu respondo: virou pó. Literalmente.
Isso mesmo que você ouviu: hoje, o Once Caldas existe graças a trabalhadores escravos. Seu melhor jogador, Rentería, chegou ao clube em Janeiro e, até hoje, não recebeu um salário. O técnico, Juan Carlos Osório, já é credor de seis meses.
Isso pra ficar só no líder isolado do campeonato local, único colombiano ainda vivo na Libertadores.
Imagine, você, como está o resto.
Triste? Sim, e no resto do continente não é muito diferente. O problema é que, na Colômbia, o buraco é muito mais embaixo.
Quem explica é Francisco Maturana, o técnico que comandou os 5 a 0 do Monumental de Núñez: “quando os chefes de cartéis foram presos, acabou o dinheiro. Acabando o dinheiro, acabou o futebol”.
Que cartéis? Os cartéis do narcotráfico. Os cartéis de Medellín e de Cali. Aqueles comandados por figuras como o mega-traficante Pablo Escobar, que mandava cocaína para os EUA por meio de submarinos.
A bem da verdade, em alguns clubes, entrou dinheiro até das FARC.
Só que, a partir de 2005, começou o desmantelamento do narcotráfico colombiano. Desmantelamento esse que culminou com a prisão de Juan Carlos Ramírez Abadía, no Brasil, em 2007.
Aí, como diria o ditado, “acabou o milho, acabou a pipoca”.
Hoje, dos históricos Millonarios e América, até os pequenos Cúcuta e Júnior Barranquilla, todos os clubes colombianos vivem na mais absoluta situação de penúria.
Quem tem um patrocinador pra ajudar, como o Once Caldas ou o Tolima, até se vira. De resto, ninguém encara nem a Lusa.
Em paralelo a isso, as categorias de base, que até ontem produziam Iván Córdoba, Falcao García e Macnelly Torres, hoje produzem uma seleção sub-20 que é lanterna do hexagonal da categoria.
E, pra coroar, como se não bastasse, a Federação Colombiana é presidida por Luís Bedoya, amigo de carteirinha de Nicolás Leóz e Ricardo Teixeira.
Resumindo: o Once Caldas pode até virar pra cima do Santos. Até porque joga muito bem fora de casa e não é de hoje.
Só que, como diria Castro Alves, “o navio negreiro continua navegando, mas os escravos continuam no porão”.
O futebol colombiano seguirá no buraco, pelo menos até surgir um novo Valderrama.
* Todos os sábados, nesse mesmo espaço, Gabriel dos Santos Lima assina a coluna “As chuteiras abertas da América Latina”, onde fala do futebol do continente.