Espírito (anti) desportivo
“Jogo de comadres”.
Esta aí expressão tão futebolística quanto “rolinho”, “drible da vaca” ou “gol olímpico”.
A diferença é que, ao contrário das três expressões citadas no parágrafo acima, a peleja da madrinha de batismo tem denotação, no dicionário da bola, das mais pejorativas.
Trata-se daquela partida acordada pelas duas equipes competidoras, em que, com um determinado resultado, conseguem alcançar o objetivo de ambas.
E tal negociata, ao longo da história do futebol, muito pôde ser vista.
Foi assim na Copa de 1982, com a melhor Argélia da história, cuja classificação na fase de grupos dependia, na última rodada, de qualquer resultado que não fosse Alemanha 1×0 Áustria. Não deu outra: com o gol de cabeça do grandalhão Hrubesch, alemães e austriácos foram à fase seguinte.
Quem não se lembra, então, de México 1×1 Itália, em 2002, quando o empate entre as duas seleções tirou qualquer chance de disputa de Equador e Croácia, que duelavam simultaneamente?
O acordo pode, também, apenas beneficiar quem está em campo, não afetando quem se encontre do lado de fora. Assim ocorreu no jogo de comadres entre Atlético-MG e Santos, pelo Brasileirão de 2008. Com o entediante 0 a 0, o Galo garantiu vaga na Sul-Americana, enquanto os praianos se viram – de vez – fora do rebaixamento.
Todavia, não por isso este segundo modelo se vê livre de tamanha falta de espírito esportivo, cujo primeiro está impregnado.
A questão possui profundidade maior que a de um pires.
Quando o meia da Lusa, Henrique, em entrevista ao GloboEsporte.com, revela o acordo que sua equipe tinha com o São Bernardo para empatar o jogo como forma de agradar a gregos e troianos, e, por conseguinte, tirar o São Caetano da parada, é possível enxergar mais do que apenas ingenuidade do garoto: a naturalidade com que a ausência de espírito esportivo é concebida pelos próprios esportistas dentro “da sociedade da inversão de valores”.
Não quero ser pessimista. Muito menos, fadar a ética à morte.
Mas não consigo.
Este fato, sinceramente, só me desilude – ainda mais – da mais lúdica das coisas da vida: o esporte.
Outo estupendo argumento àqueles que abandonaram os estádios.
Como é possível perceber no início deste manuscrito, tal prática antiesportiva não vem de hoje.
No entanto, quando penso – dentro de tão curto espaço de tempo – em torcedor pedindo para o seu time “entregar”, em jogador fazendo – ou deixando de fazer – gol por conta “deste” ou “daquele”, em PM escoltando torcida, em fair-play servindo somente de “troféu-Fifa” e futebol sendo o último dos assuntos das segundas-feiras, é impossível que eu não estenda a bandeira da humanidade na haste da vergonha, me remeta a certo texto de Vladir Lemos, e acabe por constatar o quão árido nosso futebol se tornou.