As chuteiras abertas da América Latina – Guia da Libertadores: Grupos 7 e 8
45 gols. Esse foi o saldo da primeira rodada da Taça Libertadores da América de 2011.
E algumas das maiores forças do continente já mostraram suas armas.
O Cerro, do artilheiro Nanni e do “novo Messi” Iturbe, fez um jogaço contra o tradicional Colo-Colo, em uma partida que teve sete gols.
O Vélez, que vem muito forte esse ano, sapecou 3 a 0 no Caracas em Buenos Aires.
O Estudiantes, com a mesma base campeã de 2009, levou uma surra histórica do Cruzeiro, com direito a uma aula de tática ministrada por Cuca.
Claro que nem todos os times brasileiros tiveram a mesma sorte, a exceção do Grêmio que, em um grupo fácil, fez o dever de casa. Mas é difícil imaginar que Flu e Santos não evoluam ao longo da competição, do mesmo jeito que não dá pra pensar que o Cruzeiro já é o favorito ao título.
Enfim, como sempre, muita emoção e certeza nenhuma. Apenas, talvez, a de que a Libertadores desse ano será extremamente disputada.
E olha que a aguardada peleja entre Peñarol e Independiente, que têm, juntos, 12 títulos do torneio, ficou para dia 24/02.
E, já que falamos nisso, vamos aos grupos 7 e 8, os últimos do nosso guia:
Grupo 7:
Estudiantes de La Plata – Argentina
Estádio: Dr. José Luis Meiszner
Técnico: Eduardo Berizzo
Destaque: Juan Sebástian Verón
“Estão vendo as estrelas? São as camisas dos campeões de 68. Vistam elas. Hoje vocês têm que honrá-las”. O discurso, que parece saído de algum filme medieval sobre as cruzadas, foi usado pelo técnico Alejandro Sabella para motivar seu time, antes do mesmo entrar em campo para jogar a grande final de 2009. Naquela noite, em meio a um Mineirão lotado, a taça Libertadores da América seria levantada pelo filho de um craque que fizera o mesmo 39 anos antes, quando o Estudiantes fora tri-campeão continental com um dos maiores times da história do futebol argentino. Como se vê, portanto, quando se fala dos “Pinchas”, ganhar o torneio parece ser um fator hereditário. Primeiro foi La Bruja Verón, maior ídolo da história do clube, que capitaneou as vitoriosas campanhas de 68, 69 e 70. Quase quatro décadas de fila depois, o único que conseguiu repetir o gesto foi seu filho, Juan Sebastián Verón, não à toa chamado de La Brujita. E é esse Verón que comandará o Estudiantes na atual edição do torneio. E para tentar repetir a façanha de 2009, ele terá a seu lado a mesma base campeã daquele ano, com pelo menos um bom jogador para cada posição. De novidade, só o jovem Hoyos, promessa das divisões de base da seleção argentina. “Uai! Mas se o time é o mesmo de sempre, porque levou uma sacolada do Cruzeiro na estréia?” Simples: afora ter tomado um gol nos primeiros 5 minutos, o clube de La Plata sofreu uma baixa considerável nas últimas semanas. Alejandro Sabella, o mesmo da preleção épica de 2009, decidiu deixar o clube depois de brigar com Verón e com o desequilibrado zagueiro Desábato. Contratado para a vaga, Eduardo Berizzo ainda parece inseguro e não conseguiu desfazer o nó tático que levou de Cuca. Mas se Los Pinchas já não metem mais tanto medo quanto antigamente, subestimá-los é sempre um grande perigo e o próprio Cruzeiro sabe bem disso…
Cruzeiro – Brasil
Estádio: Mineirão
Técnico: Cuca
Destaque: Montillo
Falando neles, os mineiros são os proprietários do mais assustador cartão de visitas da Libertadores – 2011: os históricos 5 x 0 que enfiaram goela abaixo de um dos times mais tradicionais do torneio. Claro que, muito provavelmente, não vai ser sempre assim, mas levando-se em conta que o adversário era o mais forte da chave, o Cruzeiro saiu-se muito melhor do que se esperava. E não parece ter sido obra do acaso. Quando Cuca acerta, como fez no jogo em questão, é capaz de transformar pedreira em mamão com açúcar. E se a falta de títulos expressivos no currículo do técnico parece ser um problema, não é errado dizer que esse é um dos times mais interessantes que ele já dirigiu. Wellington Paulista, Thiago Ribeiro e Wallyson formam um ataque eficiente, Gilberto e Diego Renan são laterais perigosos e a dupla de volantes literalmente não fica atrás. Sobretudo, porém, vale lembrar as brilhantes contratações do craque Montillo e do xerifão uruguaio Victorino, ambos egressos da Universidad do Chile semi-finalista de 2010. A única dificuldade vai ser fazer Roger jogar o que sabe, até porque, se isso acontecer, vai ser difícil de segurar.
Guaraní – Paraguai
Estádio: Defensores del Chaco
Técnico: Carlos Compagnucci
Destaque: Aurrecochea
Por dois importantes motivos, o torcedor do Guaraní tem muito a lamentar em 2011. Um: o time está longe de Cruzeiro e Estudiantes e é franco favorito à lanterna do grupo 7. Dois: o meia Jonathan Fabbro, destaque da equipe e melhor jogador do Clausura 2010, foi-se embora para o Cerro Porteño. E se ia servir de consolo para Los Índios, até o ganho de mídia que o time ia ter ao enfrentar Ronaldo foi pelo ralo com a precoce eliminação do Corinthians, diante do Tolima. É por isso que, depois de tanta desgraça, o Guaraní tem uma única razão de existir, esse ano: definir as duas vagas do penúltimo grupo da Libertadores. Uma derrota para os paraguaios no mítico estádio Defensores del Chaco pode custar muito caro. E tem uma curiosidade: mantendo a tradição dos bem-humorados goleiros sul-americanos, o uruguaio Aurrecochea sempre inova com seu uniforme. Fique atento.
Desportes Tolima – Colômbia
Estádio: Manuel Murillo Torres
Técnico: Hernán Torres
Destaque: Elkin Murillo
Da quase falência para a boca de todo torcedor brasileiro, o Tolima cravou seu nome na história como o time que aposentou Ronaldo. Isso porque o badalado Corinthians de Andrés Sánchez, sucesso de marketing mas não de crítica, incorreu no famoso erro de subestimar um adversário que não conhece. Apesar de quase ter fechado as portas na década passada, os colombianos receberam uma boa injeção de dinheiro da prefeitura local, conseguiram se recuperar e montaram um bom time, campeão colombiano de 2010. Não obstante, Los Pijaos têm história na competição, foram semi-finalistas em 82, ganharam do Grêmio na fase de grupos do ano passado e só pararam nas quartas da Sul-Americana 2010, diante do campeão Independiente. Claro que nada disso seria suficiente se eles não tivessem um time minimamente razoável, mas eles têm. A começar pelo meia Murillo, ex-LDU. É com ele que o técnico armador Castillo, o artilheiro Wilder Medina e seu companheito Santoya, elogiado por Ronaldo, formam um quarteto ofensivo respeitado, muito perigoso quando enfrentado no hostil estádio Murillo Toro, cujo gramado lembra a selva amazônica. E se o Tolima não é tão forte quanto os outros peixes grandes do grupo, pelo menos, a essa altura, ninguém tem mais coragem de duvidar: pode, sim, aprontar mais uma.
Grupo 8:
Liga Desportiva Universitaria (LDU) – Equador
Estádio: Casa Blanca
Técnico: Edgardo Bauza
Destaque: Franklin Salas
Cevallos, Reasco, Araujo, Guagua, Ambrossi, De la Cruz, Vera, Urrutia, Bolanõs, Salas… Entra ano e sai ano, a LDU não muda. Em 2008 o time viveu o maior ano de sua história, foi protagonista de um verdadeiro Maracanazzo e tornou-se o primeiro equatoriano campeão da Libertadores. De lá pra cá, porém, pouca coisa aconteceu. Alguns de seus jogadores perambularam pelo futebol brasileiro, como os meias Urrutia e Bolanõs. Outros, como o camisa 10 Manso, o atacante Bieler e o craque Guerrón, saíram para não voltar. Fato é que boa parte de seus atuais figurões, presenças confirmadas nas convocações da seleção equatoriana, formam, hoje, um time bom e bem entrosado, quase o mesmo que se consagrou dois anos atrás. O problema é que, vale lembrar, todo mundo envelhece. E, nesse sentido, as novidades não são muito animadoras: o maior reforço da Liga é o veterano armador Equi González, 30 anos, ex-Fluminense. Sinal de que, levando em conta os adversários, o técnico Edgardo Bauza terá vida dura na briga pela classificação.
Peñarol – Uruguai
Estádio: Centenário
Técnico: Diego Aguire
Destaque: Fabián Estoyanoff
Reza a lenda que, durante a década de 60, os capitães dos times que enfrentavam o Peñarol eram submetidos a um desagradável ritual, todo santo jogo. Antes do juiz jogar a moeda pra cima, o meia Tito Gonçalves, capitão dos carboneros, perguntava: “Vocês trouxeram outra bola?”. O adversário geralmente não entendia, e era aí que Tito imendava, sem piedade: “Porque essa vai ser só nossa”. E não era só pra intimidar. Em certo sentido, ele sabia do que estava falando. O Peña foi o primeiro campeão da Taça Libertadores da América. Nos anos que se seguiram à conquista, chegou mais quatro vezes à final, tendo, na edição de 62, travado um duelo de titãs contra o Santos de Pelé, do qual saiu derrotado por pouco. Esses foram os anos dourados do clube. De lá pra cá, mais três finais e mais duas taças, totalizando cinco conquistas, sendo a última em 87. Desde então, porém, os carboneros não assustam ninguém. Tentativas de reerguer o clube não faltaram, tendo havido, inclusive, uma gastadeira generalizada em 2007, quando foram repatriados os selecionáveis Zalayeta, Darío Rodríguez e Estoyanoff (os dois últimos ainda no elenco). Acontece que parece não haver quem dê jeito: a maior arma ainda é o peso da camisa e a famigerada raça uruguaia. E, nesse último quesito, ainda houve uma baixa: o volante Arévalo Rios, destaque da campanha uruguaia na África do Sul, vendido ao Botafogo. A esperança é o habilidoso atacante Antonio Pacheco, além da experiência do técnico Diego Aguirre, herói do título de 87, quando ainda era centro-avante. Enfim, um time razoável, que bate muito. Muito pouco pelo tamanho da tradição.
Godoy Cruz – Argentina
Estádio: Feliciano Gambarte
Técnico: Jorge da Silva
Destaque: Carlos Sánchez
Promovido à primeira divisão argentina em 2006, o Godoy Cruz quer ser o novo Banfield: pouca tradição e bom desempenho internacional. Pena que, para isso, tenha começado tão mal. Em menos de um mês o time perdeu o bom técnico Omar Asad para o Emelec, sem falar em seu principal jogador David Ramírez, que se mandou para o Vélez. Contratação que é bom, nada, até porque o orçamento do clube não permite grandes investimentos. Assim sendo, a aposta deve ser o meia Carlos Sánchez, uma espécie de faz-tudo que arma e marca. E, no que depender da estréia, os torcedores até podem sonhar, já que o time fez o dever de casa contra o LDU. O problema é que, como você deve estar percebendo, aquele era o jogo mais fácil da chave.
Independiente – Argentina
Estádio: Libertadores de América
Técnico: Antonio Mohamed
Destaque: Matías Defederico
A geração de torcedores que viu o Boca de Riquelme e Palermo, tem razões para achar que o time da Bombonera é o maior bicho-papão da história da Libertadores. Quer dizer, pelo menos os que não conhecem a história do Club Atlético Independiente de Avellaneda. Em seu currículo, Los Diablos têm nada mais, nada menos do que 7 taças do torneio, sem falar em um punhado de histórias fantásticas, como o famoso jogo em que o lendário ataque formado por Bochini e Bertonio derrotou a ditadura do presidente militar Jorge Vilela. Mas isso foi até o ano de 84. Depois daí, a crônica da tragédia anunciada que se abate sobre todo time latino-americano outrora glorioso, pegou também o Independiente. Más administrações, contratações mal feitas, sucateamento das categorias de base… Uma história muito similar à do Peñarol e de outros gigantes continente afora. Resultado: Depois de 15 anos sem conquistas internacionais, o estádio Libertadores de América (não tem o nome à toa) quase transbordou de tanto que seus torcedores choraram com o título da Sul-Americana de 2010, conquistado contra o Goiás, nos pênaltis, com uma mãozinha da arbitragem. Sim: tudo do lado vermelho de Avellaneda assume contornos épicos. Só que, dessa vez, pelo menos o time é razoável. Tudo bem, o maior destaque é o meia Matías Defederico e, se você acompanhou o Corinthians de Mano Menezes, sabe que não se deve esperar muito. De qualquer forma, é ele o toque de talento do meio-campo que estará responsável por municiar o bom ataque formado pelos gladiadores Silveira e Parra. E, para tal tarefa, não estará sozinho, tendo a seu lado o habilidoso camisa 10 Patrício Rodríguez, cobiçado por clubes europeus. Além disso, a defesa também merece destaque, contando com o ótimo goleiro Hilário Navarro, o experiente lateral Mareque e o troncudão Tuzzio, que viveu uma crise conjugal envolvendo o ex-são-paulino Ameli, quando ambos jogavam no River. Não é time para reviver as glórias dos tempos áureos, mas dá pra dar trabalho. Pra quem almeja se reerguer, já é um primeiro passo.
Palpitaço:
Classificados (em ordem de primeiro e segundo):
Grupo 1 – Libertad e Universidad San Martín
Grupo 2 – Grêmio e Junior Barranquilla
Grupo 3 – América e Fluminense
Grupo 4 – Vélez Sarsfield e Union Española
Grupo 5 – Santos e Cerro Porteño
Grupo 6 – Internacional e Emelec
Grupo 7 – Cruzeiro e Estudiantes de La Plata
Grupo 8 – Independiente e LDU
* Atenção: essa foi a última edição do Guia Futeboteco da Taça Libertadores da América – 2011. As análises de todos os times do torneio serão reunidas em um único post, salvo na seção “Especiais”, da página inicial.
Todos os sábados, nesse mesmo espaço, Gabriel dos Santos Lima publica a coluna “As chuteiras abertas da América Latina”, onde fala sobre o futebol do continente.