As Chuteiras Abertas da América Latina- Guia da Libertadores: Grupos 1 e 2
“Obdúlio Varela não amarrava as chuteiras com cadarços, mas sim com as próprias veias”.
A frase de Nélson Rodrigues sobre o craque Uruguaio que calou 200 mil pessoas na final da Copa do Mundo de 50, traduz bem o que significa a palavra “futebol” na América do Sul.
Um continente onde os jogos são batalhas, onde os estádios são caldeirões, onde a torcida é um verdadeiro exército pronto para a guerra e onde os jogadores se transformam em lendas.
Enfim, um lugar onde tudo assume proporções épicas.
Foi nesse continente que aprendi a gostar de futebol. Foi vendo o Palmeiras de Felipão e Arce ganhar um campeonato na base da bola parada que entendi o que Bill Shankly, ex-técnico do Liverpool, queria dizer ao definir o futebol “não como uma questão de vida ou morte, mas muito mais do que isso…”
Mas os anos se passaram e, como aconteceu com tudo na história das Américas, a ganância levou o que tínhamos de mais precioso para a Europa. Foi assim com o Pau-Brasil, foi assim com os metais das minas de Potosí e é assim, hoje, com os nossos jovens craques.
Acontece que ainda há, nessa terra tão explorada, uma coisa que nem todos os petrodólares de Dubai podem comprar: o amor pela camisa. O amor por camisas que já protagonizaram milagres, que já lutaram contra ditaduras e que já foram vestidas por deuses.
É em homenagem a esse amor que tenho o prazer de estrear a coluna do Futeboteco sobre futebol sul-americano, coluna esta que será publicada neste espaço, todo Sábado.
E para inaugurar, nada melhor do que falar sobre o torneio mais importante do continente. O torneio que leva o nome daqueles que, um dia, decidiram levantar a voz contra a opressão de seus conterrâneos: os Libertadores da América.
E como, para acompanhar todo torneio, nada melhor do que um guia (Barão, o rei dos guias, que o diga), começa hoje, aqui, o Guia Futeboteco da Libertadores 2011.
A idéia é falar de dois grupos a cada semana. Comecemos, portanto, com os grupos A e B:
Grupo A:
Universidad San Martín – Peru
Estádio: Alejandro Villanueva
Técnico: Aníbal Ruiz
Craque: John Hinostroza
Uma defesa razoável, um punhado de jogadores da seleção peruana, um ataque formado por argentinos e um técnico experiente. Esses são alguns dos ingredientes que tornam a Universidad San Martín um time forte – para os padrões do Peru. O título do campeonato nacional de 2010 e a contratação do carimbado meia paraguaio Wálter Fretes também merecem destaque. Nada, porém, que ameace muito San Luís, Libertad e Once Caldas. Até pode somar pontos em casa, mas se a classificação seria um milagre, quem dirá chegar às Quartas-de-Final, coisa que o time nunca conseguiu antes…
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Once Caldas – Colômbia
Estádio: Palogrande
Técnico: Juan Carlos Osorio
Craque: Dayro Moreno
Um raio cai duas vezes no mesmo lugar? Muita gente em Manizales reza para que a respota seja “sim”. Em 2004, o Once Caldas, comandado pelo lendário técnico Luiz Fernando Montoya, conquistou a América e tirou o sono de muito são-paulino. Os anos foram passando e o time, por mais que tenha disputado a Libertadores com frequência, nunca chegou a ser o que foi nos bons tempos. Mas há quem diga que, dessa vez, vai. Do lendário time-da-retranca, o Caldas trouxe de volta o goleiro-figura Henao e o bom meia Arango. Ambos, porém, devem ser reservas, cedendo lugar a jovens que o bom Juan Carlos Osorio pretende lançar. O grande destaque, porém, é velho conhecido: o artilheiro Dayro Moreno, um dos maiores ídolos da (curta) história do clube. Pode até não ser o melhor time do torneio, mas lembre-se: também não era em 2004.
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Libertad – Paraguai
Estádio: Defensores del Chaco
Técnico: Gregorio Pérez
Craque: Rodolfo Gamarra
Não bater na trave é o lema. Todo ano o Libertad disputa a Libertadores, chega nas cabeças (muitas vezes com uma mãozinha da arbitragem) e perde para um time de maior tradição. E dessa vez, ao que tudo indica, a história vai se repetir. A base é boa, mas não mudou nada em relação aos últimos anos: o zagueiro Sarabia, o experiente uruguaio Pouso, o jovem meia Víctor Cáceres e o avante Gamarra (que o Palmeiras já quis) ainda formam a espinha dorsal do time de Assunção. Entrosamento? É uma aposta. Mas fica a sensação de que, para querer mais, os Gumarelos deveriam ter ousado mais.
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San Lúis – México
Estádio: Alfonso Ramírez
Técnico: Ignacio Ambríz
Craque: Tressor Moreno
Com um time interessante, o San Luís vai entrar na briga de foice com Libertad e Once Caldas pela valiosa vaga nas oitavas. Tem chances, principalmente se levado em conta o potencial da sua dupla de ataque, formada pelo matador peruano Wilmer Aguirre e o forte colombiano Tressor “El Trator” Moreno. O meio-de-campo, com os selecionáveis Correa, Ponce e Medina, além do equatoriano Arroyos, também merece atenção. Vai depender muito dos pontos que conseguir fora de casa. Eu apostaria.
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Grupo B:
Júnior Barranquilla – Colômbia
Estádio: Metropolitano
Técnico: Oscár Héctor Quintabani
Craque: Geovanni Hernández
Campeão do Apertura 2010, o Júnior tem, como grande destaque, um jogador de 34 anos: o meia armador Geovanni Hernández. Pra correr com ele, a diretoria ainda trouxe alguns bons nomes, como o volante John Viáfara, campeão de 2005 pelo Once Caldas, e o goleiro uruguaio Vieira, ex-Villareal, que, apesar de falhar de vez em quando, já teve seus bons momentos. O ataque é uma incógnita: Carlos Bacca faz seus gols e terá como companheiro o jovem Páez, goleador da segunda divisão nacional. Tem boas chances de se classificar, principalmente levando-se em conta o nível da concorrência.
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Oriente Petrolero – Bolívia
Estádio: Ramón Aguilera
Técnico: Ariel Cuffaro Russo
Craque: Joselito Vaca
Desde que vendeu Juan Arce para o Corinthians, o Petrolero nunca mais foi o mesmo. Aliás, a bem da verdade, o time nunca foi grande coisa e, melhor dizendo, continua não sendo. O melhorzinho é o meia Vaca, da seleção da Bolívia. Mesmo assim, nada para se preocupar. Nem Evo Morales acredita na classificação.
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León de Huánuco – Peru
Estádio: Heraclio Tapia
Técnico: Franco Navarro
Craque: Harrison Otálvaro
Se você perguntasse, há uma década atrás, o que é o León de Huánuco, nem um peruano saberia te responder. Até 2009 o clube jogava a terceira divisão do campeonato peruano, sabe-Deus com mais quem. Acontece que, de uma hora pra outra, a história do clube mudou. Primeiro, um empresário acusado até de tráfico de órgaos comprou o clube. Depois, o León deu uma de Fluminense e subiu da série C direto para a A. Daí para a Libertadores foi um pulo e, então, o investimento veio forte. Os colombianos Cardoza e Cambindo chegaram para formar a defesa. Depois, veio o meia Otálvaro, ex-Huracán-ARG, para assumir a camisa 10. Nada que impressione, mas dá ao torcedor a chance de sonhar com a segunda vaga. A baixa, porém, ficou por conta da antiga dupla de ataque, formada pelo artilheiro Perea e o argentino Rodas, que se mudaram, ambos, para o Deportivo Quito.
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Grêmio – Brasil
Estádio: Olímpico
Técnico: Renato Gaúcho
Craque: Víctor
Com a vaga dos grupos praticamente na mão, o Grêmio, mesmo sem se reforçar, é, de longe, o mais forte do grupo B. Nem a arrogância de Renato Gaúcho, que não quer ir para o interior do Rio Grande do Sul, parece capaz de ameaçar o Tricolor Imortal. Mas é bom abrir o olho: para o nível de oponente que o clube vai enfrentar na primeira fase, cair nas oitavas seria um vexame. E quem não quer dar vexame não pode depender de André Lima, Leandro e Borges. Contratar, pra quem acabou de vender Jonas para o Valencia, não é mais do que obrigação.
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Liverpool – Uruguai
Estádio: Belvedere
Técnico: Eduardo Favaro
Craque: Guevara
Em comum com o time de Anfield Road, o time de Montevideo só tem o fato de estar em máus lençóis. A diferença é que os Reds disputam a Premier League. Traduzindo: o argentino Guevara vai precisar fazer uma verdadeira revolução para salvar a classificação. Revolução, essa, que consiste em comandar um time fraco, fraco, diante de um Olímpico lotado contra um time 10 vezes melhor. E com a desventagem de ter tomado dois em casa.
É isso, leitor. E você? Em quem aposta?
* Atenção: todo os sábados, Gabriel dos Santos Lima publicará, nesse mesmo espaço, a coluna “As chuteiras abertas da América Latina”